Impacto da pandemia no sistema penitenciário

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Covid-19, essa pandemia que conseguiu parar o mundo, também me motivou a realizar reflexões e levantar muitos questionamentos. Dentre outros, por que não há políticas públicas nem ações da sociedade civil em relação à população carcerária, parcela duplamente excluída, socialmente? Como manter distanciamento social e higiene em presídios desestruturados e superlotados? 

O momento que vivenciamos é ímpar e difícil para todos, mas para as pessoas privadas de liberdade é bem pior, pois além de ficarem sem visitas, não possuem condições adequadas para enfrentarem o impacto do covid-19. Não significa que essas pessoas não devam pagar pelo seu erro, mas que possam cumprir pena em local salubre e com observância da legislação vigente podendo usufruir de seus direitos. Ademais, muitos presos se encontram detidos sem condenação colaborando para o inchaço do sistema penitenciário. 

No cenário atual não se verifica políticas públicas direcionadas ao sistema prisional que sofre a penúria da covid-19 sem apoio dos órgãos estatais nem civis. Não há como manter a higienização do ambiente e das pessoas sem o mínimo de condição estrutural e/ou operacional, sem amparo financeiro e sem o material de higiene essencial para prevenção dessa patologia. Não basta a proibição de visitas, mas todo o aparato necessário para enfrentamento da Covid – 19 que está inserida também e da pior maneira nos estabelecimentos prisionais.

Em dezembro de 2019, 748.009 pessoas estavam nas penitenciárias brasileiras e 222.558 (29,75%) eram presos provisórios com um total de vagas de 442.349. Considerando as unidades prisionais e outras carceragens, o total passa para 755.274 (Infopen, 2020). Dessa forma, não há como manter distanciamento social com presos empilhados em cárceres insalubres.

Mas, para uma sociedade que “bandido bom é bandido morto” é indiferente que o sistema penitenciário que, já é precário, tenha a situação agravada e esteja impossibilitado de oferecer o mínimo de dignidade aos detentos.

 Os boletins expedidos diariamente e veiculados pelos meios de comunicação não faz nenhuma menção ao número de presos contaminados pela Covid-19, nem tampouco à quantidade de mortos. Existe um silêncio total sobre o assunto e a omissão daqueles que poderiam contribuir para minimizar os efeitos da pandemia.

Já no início da pandemia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expediu a Recomendação 62/2020, com objetivo de reduzir os riscos epidemiológicos, recomendando a reavaliação das prisões provisórias, dando prioridade às pessoas presas em unidades prisionais cuja capacidade se inferior à ocupação.  Prioriza também as prisões preventivas cujo prazo tenha ultrapassado 90 dias ou que seja relacionado a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa.  

No entanto, na prática não se efetiva por, segundo alguns magistrados, não ser medida vinculante ou obrigatória, bem como que depende de análise de cada caso. Dessa forma, inúmeros requerimentos são indeferidos apesar de atenderem aos critérios, dificultando o desencarceramento. 

O próprio CNJ afirmou que os casos de contaminação entre detentos aumentaram em 800% desde maio (CNJ, 2020), um dado relevante que impõe medidas urgentes para minimizar as consequências da pandemia em presídios nacionais.   

A dignidade humana é violada constantemente no ambiente carcerário onde o detento perde não apenas a liberdade, como também outros direitos. 

A própria lei de execução penal é desrespeitada em muitos aspectos, a começar pelo princípio da individualização da pena que com a superlotação resta impossibilitada. Não há como manter parte deles em quarentena, sem ter espaço e elementos suficientes para prevenção, isolamento ou tratamento, quando muitos presídios não contam com assistência médica interna. 

A situação é tão preocupante que,  (ABCCRIM, 2020) 213 entidades brasileiras denunciaram o Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU) e na Organização dos Estados Americanos (OEA) pelo avanço da pandemia nos presídios nacionais e contra a forma de gestão da Covid-19 nos presídios do Brasil. A denúncia elenca, dentre outras, carência do acesso à saúde, os obstáculos para o desencarceramento, a precariedade dos abrigos temporários, rebeliões e problemas relacionados com o registro de óbitos.         

No entanto, a sociedade sempre clama pela prisão daqueles acusados por algum ilícito, mas não lembra que essas pessoas retornam ao seio social e voltam a delinquir até porque não há política efetiva de ressocialização e nem preparação para sua volta à sociedade. 

Portanto, mais atenção deve ser dispensada a esses seres humanos,  parcela da população excluída por todos, mesmo sendo possuidores das mesmas garantias constitucionais e legais.   

Referências 

ABCCRIM. (24 de junho de 2020). Covid e prisões no Brasil: leia íntegra da denúncia enviada à ONU e à CIDH sobre “ação genocida do governo”. Acesso em 26 de junho de 2020, disponível em ABCCRIM: https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/627/covid-e-prisoes-no-brasil-leia-integra-da-denuncia-enviada-a-onu-e-a-cidh-sobre-acao-genocida-do-governo

CNJ. (12 de junho de 2020). CNJ renova Recomendação nº 62 por mais 90 dias e divulga novos dados. Acesso em 26 de junho de 2020, disponível em Agência CNJ de notícias: https://www.cnj.jus.br/cnj-renova-recomendacao-n-62-por-mais-90-dias-e-divulga-novos-dados/

Infopen. (2020). Presos em unidade prisionais no Brasil. Acesso em 26 de junho de 2020, disponível em Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: dezembro 2019: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/infopen

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Edna Alves Ribeiro
Advogada, licenciada em matemática, mestranda em ciências jurídicas com ênfase em direito internacional e integrante do Núcleo de Estudos Avançados em Direito e Política Internacional (NEA-DPI) na Ambra University.