Governança Corporativa nos Estados Unidos

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Este artigo tem o objetivo apresentar uma síntese do que é a Governança Corporativa nos Estados Unidos (GC nos EUA).

A ideia é falar um pouco da história da governança, das crises, das leis mais importantes, das autoridades, da regulamentação das bolsas, de boas práticas e da influência exercida sobre a Governança Corporativa de outros países, incluindo o Brasil, e, principalmente, da importância dada ao investidor enquanto “cliente” do mercado de capitais.

No artigo “O que é a Governança Corporativa?” desta revista, definiu-se Governança Corporativa como o ato de governar uma empresa, ou seja, enquanto os executivos da empresa a administram, existe uma estrutura de Governança Corporativa que a governa em nome de seus acionistas, dirigindo e monitorando a esta administração da empresa e seus executivos. Este artigo visa mostrar como esta direção e monitoramento evoluíram nos Estados Unidos através do tempo.

Como mencionado no artigo “O que é a Governança Corporativa?”, este tema interessa a muitas pessoas enquanto opção de carreira. Empresas pequenas, médias e grandes, públicas e privadas, de capital aberto ou fechado, familiares ou não, conservadoras e agressivas na atuação de mercado, têm implantado estruturas de Governança Corporativa com o propósito de facilitar a condução dos negócios, a obtenção de financiamentos e a realização dos resultados desejados. Por isto, o mercado tem procurado profissionais com conhecimento no assunto.

Se você se interessa pelo tema, este artigo apresenta cinco perguntas básicas e suas respostas para você saber mais sobre o que é Governança Corporativa nos Estados Unidos e quais são as suas tendências. Entendo que os Estados Unidos é um ótimo lugar para se aprender sobre Governança Corporativa.

Vamos ao tema.

1 – O que se pode aprender com a GC nos EUA?

Os Estados Unidos tem as duas maiores bolsas de valores no mundo: a Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE, New York Stock Exchange) e a Nasdaq (Nasdaq Stock Market). Juntas, NYSE e Nasdaq superam o número de 5,4 mil empresas negociadas, operando valores acima de 2,8 trilhões de dólares por mês.

A Governança Corporativa das empresas negociadas nestas duas bolsas têm evoluído constantemente, superando crises, inovando e se ajustando a mudanças, servindo de exemplo para várias outras empresas no mundo.

A Bolsa de Nova Iorque, por exemplo, fundada em 1792, precisou superar – e superou – guerras, como a guerra civil americana, a primeira e a segunda guerra mundial, e crises como a de 1929 e a 2008.

Já a Nasdaq, quando foi criada em 1971, surgiu com negociação automatizada, maior segurança e menor custo, razão pela qual, hoje, consegue transacionar um número maior de ações diariamente. A Nasdaq é a maior bolsa de valores do mundo em volume negociado.

Entender como estas empresas negociadas na NYSE e na Nasdaq obtiveram sucesso na emissão de ações para a captação de recursos para financiar seus investimentos passa pela compreensão de sua Governança Corporativa, ou seja, por aprender sobre:

  • A evolução da GC nos EUA;
  • A legislação e regulamentação do mercado de ações nos EUA;
  • Os modelos de GC adotados por empresas nos EUA e
  • As tendências atuais da GC nos EUA e no mundo.

2 – Como evoluiu a GC nos EUA?

A Governança Corporativa nos Estados Unidos, como ela é hoje, pode-se dizer, começou a se estruturar no contexto da Crise de 1929, da recessão econômica que se seguiu a esta crise, da segunda guerra mundial e da estratégia e marketing aplicados ao mercado de ações.

A Crise de 1929 foi causada principalmente por uma superprodução, uma super oferta de produtos com uma demanda reduzida por produtos americanos, em parte causada pela recuperação das economias europeias após a primeira guerra mundial. 

Em 24 de outubro de 1929, houve o Crash da Bolsa de Nova Iorque na famosa Quinta-feira Negra, a Black Thursday. A Bolsa quebrou, faliu, desencadeando uma recessão, a maior dos Estados Unidos, que só foi acabar com a segunda guerra mundial.

A economia americana se recuperou durante a segunda guerra, em grande medida, por conta do esforço de guerra. O país precisou se reorganizar para a guerra e as forças armadas aumentaram a demanda por produtos.

Ao mesmo tempo, as forças armadas, ao adotarem uma estratégia de guerra e ao fornecerem especificações exatas de como queriam os produtos comprados e para quando queriam a entrega, indicaram para as empresas a importância de se adotar uma estratégia e de se saber o que o cliente quer comprar antes mesmo de se fabricar o produto.

Pense nas especificações de um Jipe (Jeep) por exemplo: precisava ser quadrado para caber melhor no transporte dos navios e o para-brisa retrátil ajudava nisto, deveria se adequar a qualquer tipo de terreno e ser de fácil manutenção.

No final da segunda guerra, as empresas já estavam desenvolvendo suas estratégias, primeiro baseadas na estratégia militar mas logo se especializando. Também trabalhavam o marketing com orientação voltada para as necessidades do cliente e com um planejamento e controle financeiro mais eficaz, de acordo com sua estratégia e marketing.

O mesmo ocorreu com o mercado de ações, onde se desenvolveu a atitude de pesquisar o que o investidor desejava comprar. Estabeleceu-se a cultura de valorização do investidor, seja o pequeno como o grande investidor. Surgiu uma Governança Corporativa orientada para o acionista (shareholder oriented).

Exemplos de foco no acionista:

  • As famílias que precisem economizar para poder, mais tarde, pagar uma faculdade para seus filhos, geralmente adotam uma postura conservadora de investimento, ou seja, colocam seu dinheiro em empresas consolidadas, estáveis, de menor risco e maior transparência nas informações. Neste caso, uma empresa de capital aberto que deseja se financiar com estas famílias, deve adotar a mesma postura conservadora e os membros da estrutura de Governança Corporativa devem trabalhar neste sentido para corresponder ao perfil de seus investidores.
  • Já investidores mais agressivos e predispostos ao risco para obter um maior retorno podem se interessar por empresas iniciantes, principalmente, as inovadoras. Neste caso, uma empresa de capital aberto que deseja se financiar com estes investidores, deve ser transparente, sinalizar o risco e as incertezas de mercado. Os membros de sua estrutura de Governança Corporativa devem trabalhar neste sentido, também correspondendo ao perfil de seus investidores.

Formação em Governança Corporativa

3 – Como é a legislação e a regulamentação no mercado de ações nos EUA?

A Crise de 1929 também provocou o desenvolvimento da legislação e regulamentação (law and regulations) das operações mobiliárias nas bolsas de valores, das quais se pode destacar:

  • A Lei de Valores Mobiliários de 1933 (The Security Act of 1933), que visando proteger os investidores, estabeleceu uma maior transparência nas demonstrações financeiras de modo a permitir aos investidores decidir sobre seus investimentos com base em informações das empresas e punições contra declarações falsas e fraudes no mercado de ações.
  • A Lei da Bolsa de Valores de 1934 (The Security Exchange Act of 1934 ou SEA), que definiu o funcionamento do mercado secundário nas bolsas, com maior transparência, precisão financeira e menor possibilidade de fraude ou manipulação, além de autorizar a criação da Comissão de Valores Mobiliários americana (a SEC, Securities and Exchange Comission) como autoridade reguladora e supervisora dos mercados mobiliário e financeiro.
  • A regulamentação da SEC e das bolsas de valores para as transações de mercado primário e secundário envolvendo ações, títulos e valores mobiliários de balcão, incluindo o monitoramento das publicações periódicas de relatórios financeiros das empresas de capital aberto e das atividades e conduta de corretores, revendedores e consultores de investimentos.

Após esta base de legislação e regulamentação, outras leis importantes foram criadas, geralmente após crises no mercado financeiro e sempre estabelecendo maior transparência das empresas e maior rigor em seus controles e auditoria. Destas leis, destacam-se:

  • A Lei A Lei Sarbanes-Oxley de 2002 (The Sarbanes-Oxley Act ou SOx), que, após escândalos financeiros corporativos como o que envolveu a Enron e a empresa de auditoria Arthur Andersen, estabeleceu regras mais rígidas de governança, auditoria e segurança nas empresas, incluindo a criação de comitês encarregados de supervisionar suas atividades e operações.
  • A Lei de Reforma e Defesa do Consumidor de Dodd-Frank Wall Street (The Dodd-Frank Act), que, após a Crise Financeira de 2007-2008, reformulou as regras e estabeleceu maior responsabilidade e transparência no sistema financeiro de modo a proteger o contribuinte americano e os consumidores de práticas abusivas de serviços financeiros.

4 – Existe um modelo de GC nos EUA?

Os principais modelos de Governança Corporativa são:

  • Outsider system, quando a propriedade e a gestão da empresa são separadas, ou seja os proprietários são elementos externos (outsiders) da estrutura organizacional da empresa e não comandam suas operações, embora possam ser extremamente ativos na estrutura de Governança Corporativa e
  • Insider system, quando os proprietários (acionistas nas sociedades por ações) interferem diretamente na gestão da empresa, ou seja, os proprietários são elementos internos (insiders) da estrutura organizacional da empresa e comandam suas operações.

O modelo Outsider é o mais comum nos Estados Unidos nas empresas de capital aberto. Por conta da legislação e regulamentação americanas e da atitude de foco no acionista e no retorno de seus investimentos, este modelo também é chamado de modelo orientado ao acionista (shareholders oriented). E, pelo fato, deste ser o modelo mais tradicional no Reino Unido e Estados Unidos, é também chamado de modelo anglo saxão.

O modelo Insider, com estrutura de propriedade mais concentrada, tem foco no retorno dos acionistas que têm maior papel na gestão, o que, eventualmente, envolve outras partes interessadas como clientes, colaboradores, fornecedores, governo, entre outros. Por isto, também é chamado de modelo orientado para as partes interessadas (stakeholders oriented). Este modelo é mais presente em empresas de capital fechado e, quando se faz presente em empresas de capital aberto, a orientação da estrutura de Governança Corporativa é para a proteção dos interesses minoritários com base na legislação, regulamentação e boas práticas de governança.

Os Estados Unidos tem os dois modelos, uma predominante nas empresas de capital aberto, o modelo Outsider, e outro predominante nas empresas de capital fechado, o modelo Insider. Por isto, o recomendado é se estar preparado para os dois modelos.

5 – Quais são as tendências da GC nos EUA?

A grande tendência nas Governanças Corporativas é a mundialização.

Assim, como ocorreu com os princípios de Governança Corporativa internacionais que foram aprovados em 2015 pelo grupo do G-20 e pela OCDE, a estrutura de governança, o papel dos agentes, os instrumentos de aplicação e de conduta, entre outros aspectos, estão se encaminhando para uma padronização mundial.

E, como ocorreu na padronização mundial com normas contábeis e relatórios financeiros, o mais provável é a combinação dos modelos existentes, com grande influência da Governança Corporativa nos Estados Unidos.

Hoje, a Governança Corporativa dos Estados Unidos influencia a Governança Corporativa de vários países, incluindo Brasil. O Brasil tem poucas empresas de capital aberto com controle pulverizado, ou seja, a predominância é de empresas com controle acionário concentrado. Existe uma tendência no Brasil para o modelo Outsider, separando – e profissionalizando – a governança e a gestão, o que se coloca como uma oportunidade de carreira.

Conheça mais sobre Governança Corporativa.

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