Manipulação no futebol. Pode isso, Arnaldo?

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Recentemente foi noticiado na mídia a suspeita de manipulação de resultados no futebol profissional, sendo verificado que uma associação criminosa oferecia valores estrondosos para que atletas manipulassem os jogos de acordo com apostas realizadas pela quadrilha.

Conforme investigação apurada pelo Ministério Público do estado de Goiás, suspeita-se que a associação criminosa atuou em, pelo menos, cinco jogos do Campeonato Brasileiro da série A e em cinco jogos do Campeonato Estadual. O promotor de justiça Fernando Cesconetto informou o seguinte:

“A investigação partiu de cinco partidas na reta final do Brasileirão de 2022”: Santos x Avaí (disputada no dia cinco de novembro, e na qual há a suspeita de haver um esquema para um atleta do Santos tomar cartão amarelo), Bragantino x América-MG (disputada no dia cinco de novembro e na qual há a suspeita de haver esquema para jogador do Bragantino receber amarelo), Goiás x Juventude (realizada em cinco de novembro e na qual dois atletas do Juventude estariam acertados para tomar amarelo), Cuiabá x Palmeiras (disputada em seis de novembro e na qual um jogador do Cuiabá deveria receber amarelo), Santos x Botafogo (disputada no dia dez de novembro e no qual um jogador do Santos deveria tomar vermelho).”

Além da investigação pela promotoria em andamento, foi instaurado na Câmara dos Deputados, em 14/03/2023, requerimento de CPI para, também, investigar os esquemas de manipulação no futebol profissional, principalmente, em razão de denúncias anteriores e do crescimento exponencial das apostas online, as quais refletem, inclusive em outras modalidades esportivas.

Não há regulamentação sobre as casas de apostas, apesar de ser legal, e, em razão disso, diversas lacunas são vislumbradas para que quadrilhas ajam no intuito de fraudar os resultados, obter benefícios próprios, além de desapontar uma nação descomunal apaixonada pelo futebol.

A CBF já é conhecedora das manipulações e trata a situação como uma “epidemia global” investindo recursos em uma empresa de monitoramento com expertise neste tipo de situação, além de apoiar toda e qualquer penalidade aos envolvidos.

Vale lembrar que a situação atual vivenciada não é novidade para a CBF, que enfrentou em 2005 a “máfia do apito” envolvendo ex-árbitros e componentes do quadro da FIFA em benefício de um apostador, que atingiu a credibilidade do esporte e gerou prejuízos graves à CBF e à Federação Paulista de Futebol.

Mas, o que isso tem a ver com o compliance? Tudo.

O futebol é uma paixão brasileira e as práticas de transparência e integridade beneficiam não só os clubes, dirigentes, atletas, etc., mas uma sociedade inteira que, por vezes, movimenta montanhas, para se fazer presente em campeonatos, torcer pelo time. Dito isto, tem-se que os programas de compliance no âmbito desportivo possuem responsabilidades para além da prevenção dos ilícitos, mas, também, para credibilizar o esporte frente a uma paixão (inter)nacional.

Não é atoa que a CBF possui Código de Ética que se aplica, inclusive, aos atletas dos clubes e seleções, constando em seu Artigo 2º, inciso IV que “A prática do futebol é incompatível com a manipulação de resultados entre os competidores”. Também, é possível verificar nos Artigos 15 e 19 a preocupação da confederação no tocante ao oferecimento de vantagem econômica com vistas a obter lucro ou manipular resultados, valendo os destaques:

“Art. 15 É vedado oferecer, prometer, dar ou aceitar qualquer vantagem pecuniária indevida ou de outra índole para a execução ou omissão de ato relacionado às suas atividades.

PARÁGRAFO ÚNICO A Parte que tomar conhecimento do descrito no “caput” deste artigo deverá comunicar imediatamente à Comissão de Ética, sob pena de incorrer nas sanções dispostas neste Código”.

“Art. 19 É proibido oferecer vantagem econômica com vistas a manipular o resultado de jogos ou de competições”.

É extremamente importante que atletas, árbitros e outros envolvidos, sejam conscientizados de que a manipulação do jogo prejudica não só sua atuação no esporte, mas o próprio produto futebol, posto que descredibiliza a modalidade e desincentiva os investimentos de patrocinadores, além de perder o apoio da torcida que geraria lucro para o clube.

Além do referido Código de Conduta prever as penalidades a serem sofridas pelos envolvidos em eventuais ilícitos, é indene que há outros regulamentos que complementam a punição, como no caso do Estatuto de Defesa do Torcedor, regulamentado pela Lei 10.671/2003 e no Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Neste sentido, tem-se que, a título de exemplo, se o atleta pratica algum ato de manipulação ou ilicitude, poderá sofrer punições drásticas e cumulativas, como (i) Advertência, reservada ou pública; (ii) Multa, de até R$ 500.000,00 (quinhentos mil Reais); (iii) Prestação de trabalho comunitário; (iv) Demissão por justa causa; (v) Suspensão, por até 10 anos; (vi) Proibição de acesso aos estádios, por até 10 anos; (vii) Proibição de participar de qualquer atividade relacionada ao futebol, por até 10 anos; (viii) Banimento; (ix) Indiciamento por crime com pena prevista de 2 a 6 anos de reclusão, além de multa.

Denota-se que as penalidades possíveis de serem aplicadas gerariam grandes dificuldades ao atleta, por exemplo, na perquirição de novo clube, quiçá, outro emprego não envolvendo o futebol, posto que com tais atitudes, indiretamente, se discute caráter, ética e profissionalismo, os quais, se afetados, impacta na vida profissional futura.

O esporte, em especial o futebol, precisa urgente de um bom investimento em programas de integridade eficazes, a fim de banir e/ou evitar condutas que descredibilizam o esporte, não sendo uma obrigação apenas dos clubes (principais interessados), mas também, das Federações, CBF, CONMEBOL e FIFA.

A integridade deve ser inserida na cultura do clube, disseminando conhecimento aos envolvidos e sendo fiscalizada efetivamente por todos os órgãos de controle para, então, evitar novos escândalos. Para tanto, uma boa assessoria de compliance torna-se necessária, também, para este modelo de negócio.

Mestrado em Compliance

Fontes:

CÓDIGO DE ÉTICA E CONDUTA DO FUTEBOL BRASILEIRO. Comissão de Ética do Futebol Brasileiro. 2018, v1. Disponível em https://conteudo.cbf.com.br/etica/codigo_2021.pdf  Acesso em 26/4/2023.

CARRERAS, Felipe. Requerimento de criação de CPI. Câmara dos Deputados. Apresentado em 14/3/2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2243392&filename=Tramitacao-RCP%202/2023 Acesso em 26/4/2023.

AGÊNCIABRASIL. CPF afirma que manipulação de resultado é epidemia global. Entidade pede punição exemplar a envolvidos neste tipo de crime. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/esportes/noticia/2023-04/cbf-afirma-que-manipulacao-de-resultados-e-epidemia-global#:~:text=Segundo%20a%20entidade%20m%C3%A1xima%20do,cancelamento%20de%20jogos%20da%20competi%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 26/4/2023

AIDAR, Carlos Miguel; MIRANDA, Alexandre Ramalho. Máfia do Apito. IBDD. Abril/2013. Disponível em: https://ibdd.com.br/mafia-do-apito/?v=19d3326f3137 Acesso em 26/4/2023

ESTATUTO DE DEFESA DO TORCEDOR. Lei 10.671/2003. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm Acesso em 26/4/2023.

CÓDIGO BRASILEIRO DE JUSTIÇA DESPORTIVA. IBDD. São Paulo, 2010. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/composicao/orgaos-colegiados/cne/arquivos/codigo_brasileiro_justica_desportiva.pdf Acesso em 26/4/2023.

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Júlia Tiburcio
Mestranda em Direito com ênfase em Compliance na Ambra University.