Online Dispute Resolution como forma de solução de conflitos em tempos de pandemia no Brasil e Canadá: habilidades e competências dos profissionais.

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Carolina Barrocas

Daniel Brantes Ferreira

1. Introdução

As formas de solução de conflitos online (Online Dispute Resolution – ODR) desenvolveram-se e cresceram paralelamente ao crescimento do número de disputas que ocorrem no ambiente online. Tal número de disputas cresce de forma exponencial como, por exemplo, quando um consumidor escreve avaliação ruim de um restaurante em um aplicativo, quando o filme baixado em aplicativo não funciona, conflitos entre usuários em mundos virtuais e entre usuários e operadores, conflitos entre apostadores em casinos online, violação de privacidade e honra em redes sociais e etc… O termo Online Dispute Resolution (ODR) refere-se ao uso das Alternative Dispute Resolution (ADR) através de tecnologia e mecanismos que utilizam a internet. As técnicas de ODR podem ser utilizadas tanto para conflitos que surgem online quanto para conflitos que surgem no ambiente offline e, neste momento de crise, pandemia e isolamento social, solucionar conflitos offline é a forma ideal. A ideia principal em torno do uso da tecnologia na solução de conflitos é a de facilitar o acesso à justiça e tornar a solução dos conflitos mais célere e eficiente. Dentre as principais formas de ODR podemos citar a negociação online, a mediação online e a arbitragem online.

2. Mediação Online

A mediação online (E-mediation) é um mecanismo baseado em um sistema no qual um terceiro imparcial (mediador) facilita a negociação. Ou seja, trata-se de uma negociação online com a assistência de um terceiro imparcial que pode ser realizada através de sistemas ou aplicativos de videoconferência e através de troca de textos (e-mail). A maior parte das iniciativas que envolvem mediação online são pautadas no e-commerce (dada o maior número de conflitos). Já a arbitragem online é realizada através de videoconferência ou de troca de e-mails e um terceiro imparcial decide o conflito, em regra, de maneira vinculante[1]. Já existem plataformas online no Brasil que oferecem tais serviços de maneira efetiva como, por exemplo, a plataforma Mediar360[2] e o site do governo consumidor.gov.br. As plataformas citadas são focadas em solução de conflitos no direito do consumidor.

No Canadá, os sole practitioners utilizam cada vez mais plataformas como o Zoom por e o serviço de mediação torna-se cada vez mais procurado. A maior organização nacional no setor, ADR Institute of Canada, estabeleceu uma parceria com a plataforma e oferece planos especiais para seus membros assinarem e terem acesso. Além disso, possui uma força-tarefa que discute o uso de ODR como forma de procurar identificar quais seriam as melhores práticas. 

Em um país de grandes dimensões como o Brasil, mas com uma população consideravelmente menor e de certa forma distribuída por este imenso território, nem sempre é possível encontrar um profissional adequado na mesma cidade. Por certo que ainda ha muitas regioes remotas, notadamente aquelas habitadas por populações nativas que não contam com amplo acesso a tecnologia. A solução tem sido buscada através de centros comunitários que disponibilizam a tecnologia quando viável. 

Sports Dispute Resolution Centre of Canada/SDRCC[3], instituição para-governamental voltada à solução de conflitos decorrente das práticas de esportes possui sua própria plataforma atraves da qual realiza inclusive mediações compulsórias e arbitragens online em prazos recordes. Conflitos já foram solucionados em menos de uma hora, para decidir se um jogador poderia ou não entrar em campo. Os meios tradicionais e pessoais de solução de conflitos seriam tão eficientes e céleres. 

Em Ontário, o Condominium Auhority of Ontario, órgão diretamente dependente do Estado, dedica-se à protecao de consumidores e suporte de comunidades condominiais em toda Ontario. Um dos servicos que é fornecido ao proprietarios e usuarios de condominios é justamente a solucao de conflitos online[4], através da utilizacao de formulários que simplificam o início e a resposta a uma demanda. Em ultima análise há um grupo de árbitros que apresentaram uma decisão final caso a negociação não seja possível.

Na Columbia Britanica, gradualmente o Civil Resolution Tribunal[5] tem sido o destino para a solução de conflitos que antes eram solucionados pela Small Claims Court (justica de pequenas causas). Hoje o tribunal que funciona inteiramente em uma plataforma online resolve conflitos decorrentes de acidentes de trânsito cujo valor da causa não ultrapasse 50 mil dolares canadenses, pequenas causas de até cinco mil dolares canadenses, conflitos condominiais e conflitos decorrentes de relações societárias e cooperativas (nestes dois casos independentemente do valor da causa).

Além destas experiencias diretamente conectadas com o governo, o ADR Institute of British Columbia desenvolve alguns programas que são puramente por meio de ligações telefônicas, videoconferência ou mesmo trocas de e-mails. Estes mecanismos têm se provado bastante eficientes para atender necessidades para além de uma pandemia e não foram afetados por ela. 

Interessante ressaltar que nenhum destes organismos suspendeu suas atividades diante da pandemia do Covid-19. E podem continuar contribuindo com a sociedade solucionando conflitos.

No entanto, duas são as principais indagações com relação a qualquer procedimento de solução de disputas realizado virtualmente: 1. Como ganhar a confiança das partes? 2. Que técnicas habilidades e competências um profissional da área deve possuir?

3. A confiança das partes e as técnicas de solução de conflitos

O principal atributo que um mediador deve possuir em um procedimento de mediação online ou face-to-face: confiança. A confiança é considerada em qualquer procedimento de solução de conflitos como condição essencial para a troca de informações e capaz de gerar empatia, generosidade e uma sequência de movimentos das partes em prol de um acordo. Um ambiente pautado na confiança reduz significativamente o fator medo das partes e, por conseguinte, um comportamento retraído em termos de solução. Em suma, gera um ambiente de cooperação. A desconfiança, no entanto, gera um comportamento defensivo e, acima de tudo, faz com que as partes acreditem que qualquer ação em prol da cooperação será usada contra ela (por exemplo, fará a outra parte pensar que está cooperando porque possui um direito fraco e, por conseguinte, menores chances de vitória em um procedimento adjudicatório posterior). A confiança na mediação é uma via de mão dupla uma vez que deve ser construída não somente entre as partes, mas também entre partes e mediador. A habilidade do mediador de gerar empatia (rapport) com as partes é considerada a habilidade mais importante que um mediador deve possuir.

A mediação online pode ocorrer de forma síncrona (através de videoconferência) ou assíncrona (através de e-mail principalmente). Quando falamos de mediação online a tecnologia pode se tornar uma grande aliada se bem utilizada uma vez que aproxima as partes que não podem ou não desejam estar no mesmo lugar fisicamente, ou uma grande inimiga uma vez que a comunicação à distância pode gerar níveis maiores de desconfiança. Em pesquisa publicada no ano de 2000 comprovou-se que o nível de confiança entre as partes era maior em negociações face-to-face do que por telefone e ocorria até mesmo diferença no nível de confiança quando os negociadores eram colocados lado a lado e não frente a frente[6]. A principal explicação disso é que às partes se pautam muito pelo que é dito, mas o nível de confiança aumenta significativamente pelo o que não é dito, ou seja, o comportamento não-verbal.

Portanto, quando inserimos a tecnologia inserimos uma quarta parte na mediação, ou seja, a mídia que será utilizada e que viabilizará a comunicação. Toda mídia possui suas vantagens e falhas e é nesse momento que um profissional bem treinado fará a diferença e utilizará a mídia como sua aliada. O mediador, ao usar a tecnologia em um procedimento de ODR, deverá estabelecer estratégias para vencer as dificuldades criadas pela mesma, como por exemplo, estabelecer confiança com as partes o quanto antes e fazer com que estas não dependam da leitura do comportamento não verbal.

Qualquer mídia utilizada impacta em todas as partes envolvidas, ou seja, impacta tanto na condução do procedimento de mediação quanto como as partes dividem, recebem e interpretam as informações. É o que a doutrina chama de efeitos da mídia (media effects)[7].

Um mediador deve, portanto, conduzir um procedimento online de maneira mais clara possível e se certificar, a todo momento, de que as partes compreenderam da maneira certa e na medida certa a mensagem enviada. O mediador deve assumir sempre o papel de esclarecedor da mensagem. A utilização do cáucus (reuniões individuais) de maneira correta auxiliará muito na construção da confiança e do rapport, em contrapartida, se utilizado no momento equivocado poderá atrapalhar o pensamento e a interlocução conjunta.

Ademais, o mediador pode se deparar com partes que nunca fizeram uso da mídia que será utilizada. Nesse momento, a realização de uma explicação da tecnologia pode ser essencial para o sucesso da mediação uma vez que torna o ambiente mais confortável para as partes. Deixar claro para as partes na introdução de que é normal que elas sintam eventual desconforto em um primeiro momento poderá gerar um grau de empatia já no início do procedimento. O bom mediador deve ser capaz de prever a desconfiança e atuar de maneira imediata.

Vale ressaltar que a comunicação anterior ao início do procedimento com as partes também é essencial para a construção da empatia.

Portanto, a única maneira de criar empatia e confiança entre as partes em um processo de mediação online é através de um profissional que seja capaz de: se conectar com as partes gerando rapport; estabelecer confiança o mais rápido possível; desconstruir a desconfiança; demonstrar que a tecnologia é aliada das partes; e aproximar dentro do distanciamento natural gerado pela mídia.

Apenas como exemplo e para referendar o fato de que em um procedimento autônomo de solução de conflitos os detalhes fazem a diferença vale citar experiência realizada pelo 2° Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Anápolis do Tribunal de Justiça de Goiás nas audiências de conciliação[8]. A pesquisa foi realizada de abril a dezembro de 2018 e consistia em dar suco de uva para o grupo experimental e dar água para o grupo de controle. No estudo a Magistrada Aline Vieira Tomás Protásio concluiu que tomar suco de uva com açúcar durante uma audiência de conciliação permitiu às partes alcançarem 76,27% de acordos, enquanto o grupo que ingeriu apenas água atingiu um percentual de apenas 45,24% de acordos. Uma diferença de 31,03% a mais de acordos obtidos. A principal razão para o maior percentual de acordos no grupo experimental é a glicose do suco de uva que é de rápida absorção. A glicose, segundo a Magistrada, funcionou como gatilho de passagem de um Sistema de Punição para um Sistema de Recompensa no cérebro das partes e permitiu que se abrissem para comunicação mais facilmente. O mediador, principalmente devido aos efeitos da mídia, deve ter exatamente essa função de facilitador da comunicação.

Em suma, em tempos de epidemia, distanciamento social e de conflitos sociais e virtuais incontáveis (apenas na primeira quinzena de quarenta, por exemplo, o consumo online subiu 40%[9]) sem dúvida aumentará o consumo dos serviços de Online Dispute Resolution e, nesse momento, contar com profissionais que já possuam as mencionadas habilidades desenvolvidas será a diferença entre um acordo e um longo litígio no Judiciário pós-coronavírus.


[1] No Brasil vide, por exemplo, a Câmara de Arbitragem Online Arbitranet. Disponível em https://arbitranet.com.br/. Acesso em: 21.03.2020. A principal crítica realizada a câmaras de arbitragem online é que estas funcionam com lista fechada de árbitros, ou seja, as partes têm que escolher necessariamente um árbitro da lista da Câmara não podendo nomear árbitro externo.

[2] Disponível em http://www.mediar360.com.br/. Acesso em: 21.03.2020.

[3] Disponível em http://www.crdsc-sdrcc.ca/eng/home. Acesso em: 24.03.2020.

[4] Disponível em https://www.condoauthorityontario.ca/en-US/tribunal/ Acesso em: 24.03.2020.

[5] Disponível em https://civilresolutionbc.ca/ Acesso em: 24.03.2020.

[6] DROLET, Aimee L. et. al. Rapport in Conflict Resolution: Accounting for How Face-to-Face Contact Fosters Mutual Cooperation in Mixed-Motive Conflicts. Journal of Experimental Social Psychology, vol. 36, pp. 26-50, 2000.

[7] EBNER, Noam, Online Dispute Resolution and Interpersonal Trust (October 28, 2012). Ebner, N. 2012, ODR and Interpersonal Trust. In M.S. Abdel Wahab, E. Katsh & D. Rainey (Eds.) ODR: Theory and Practice. The Hague: Eleven International Publishing. Disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=2167856. Acesso em: 21.03.2020.

[8] Disponível em https://www.tjgo.jus.br/index.php/institucional/centro-de-comunicacao-social/17-tribunal/18208-ingerir-doce-auxiliar-no-aumento-do-numero-de-acordos-em-audiencias-de-conciliacao. Acesso em: 21.03.2020.

[9] Disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/03/20/compras-pela-internet-disparam-ate-40-com-impacto-do-novo-coronavirus.htm. Acesso em: 21.03.2020.

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Daniel Brantes
Vice-Presidente de Assuntos Acadêmicos do CBMA (Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem) CBMA's (Brazilian Center of Mediation and Arbitration) Vice President of Academic Affairs Pesquisador do The Baldy Center for Law & Social Policy (University at Buffalo Law School) Editor-Chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution - RBADR Editor-in-Chief of the Brazilian Journal of Alternative Dispute Resolution - RBADR Research Fellow at The Baldy Center for Law & Social Policy (University at Buffalo Law School) Advogado, Árbitro e Professor de Direito Lawyer, Arbitrator and Professor of Law