É só um presentinho

presentes e compliance
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Não raro evidencia-se uma postura, aparentemente, inocente de algumas pessoas em presentear profissionais como forma de agradecimento pelos serviços prestados, por uma data em especial ou simplesmente por afinidade. Ocorre, contudo, que o tal presentinho, por vezes, pode indicar indícios de suborno, propina ou chantagem sob a roupagem de “carinho”.

Em vista disso, é extremamente importante que as empresas se dediquem à criação de uma política de recebimentos de presentes, brindes e similares, a fim de que os riscos sejam dirimidos e que não haja qualquer responsabilização objetiva à empresa, principalmente, em decorrência da previsão do Artigo 6º, inciso I, da Lei 12.846/2013 (Lei anticorrupção) que dispõe:

“Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:

I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação”;

É a ISO 37001 que orienta as empresas na criação de políticas efetivas para o combate à corrupção e o suborno, enfatizando a necessidade de [i] designar alguém para supervisionar o cumprimento da política interna; [ii] treinar funcionários, inclusive quanto ao canal a ser acionado em caso de dúvidas; [iii] mapear riscos em projetos de parceiros; [iv] alinhar medidas com a alta gestão; [v] implementar controles financeiros e comerciais; [vi] produzir relatórios de investigação.

A situação é tão séria que em 9 de fevereiro de 2022 entrou em vigor o capítulo V do Decreto 10.889/2021 que dispõe sobre o recebimento e tratamento de presentes por agentes públicos do Poder Executivo Federal, além de outras providências. No referido Decreto é possível observar que o agente público é proibido de receber qualquer presente de quem tenha interesse em decisão sua ou de colegiado do qual participe, sendo considerado presente qualquer coisa que não configure brinde ou hospitalidade e que tenha advindo de pessoa com interesse na decisão.

Ainda, em caso de inviabilidade de devolução do presente pelo agente público, este deverá entregar ao patrimônio de seu órgão ou entidade no prazo máximo de 7 (sete) dias. O regramento não se aplica em caso de brindes, sendo este de baixo valor, distribuído de forma generalizada e com caráter cortês, de propaganda ou divulgação e, também, não ocorre em caso de oferecimento de hospitalidade (transporte, alimentação, hospedagem) por agente privado em caso de congressos, cursos, palestras, etc., desde que autorizado pelo órgão ou entidade.

A política de presentes é algo que deve ser disseminado na organização, a fim de que todos os colaboradores, parceiros ou demais agentes tenham ciência dos limites, riscos e penalidades advindas de eventual recebimento irregular. Havendo qualquer risco mapeado, é interessante que a política seja drástica a ponto de proibir o recebimento de qualquer brinde ou presente, evitando-se, assim, qualquer interpretação subjetiva dos órgãos fiscalizadores.

Inobstante todos os percalços a serem enfrentados pela empresa em razão de um presentinho, deve-se ressaltar os dizeres do Corregedor Geral da União, Sr. Gilberto Walter Junior, contido no Artigo da LEC:

“Claro que o conceito de presentes pode ser um pouco elástico, com muitos casos configurando corrupção na veia, sem qualquer chance de tentar enquadrar o ilícito como um costume nacional. O que não falta na administração pública são casos de pagamentos de despesas, casos muito pitorescos, como diz o próprio Walter Junior, envolvendo pagamentos de reformas no imóvel da amante ou a compra de material para uma reforma da casa. “Não vamos demitir alguém porque recebeu um bombom, por exemplo. Temos o que poderia chamar de princípio de insignificância. Receber como presente uma viagem para Nova Iorque, uma caneta Mont Blanc ou um relógio de ouro, por exemplo, são coisas muito diferentes de um funcionário que aceitou um brigadeiro por gratidão ao seu trabalho”, complementa o Corregedor-Geral da União”.

O importante a ser aqui ressaltado é que a Lei Anticorrupção, responsável pela aplicação da penalidade, não se trata apenas de uma formalidade. A regra existe, é aplicada e precisa ser cumprida por todos, sob pena de sofrer prejuízos financeiros de alta monta, como aqueles vivenciados pela empresa Madero e a empresa de telefonia Vivo. Ambas foram condenadas ao pagamento de multa em razão de oferecimento de vantagens indevidas a agentes públicos.

Por mais óbvio que seja, há regras que precisam ser formalizadas e disseminadas, posto sempre existir um lobo por trás de um cordeiro capaz de utilizar de artimanhas para burlar o regramento. Compliance é isso!

Leia também sobre a efetividade do canal de denúncias.

Formação em Compliance

Fontes:

ABNT NBR. ISO 37001. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/55a-legislatura/comissao-de-juristas-administracao-publica/documentos/outros-documentos/NBRISO370012017.pdf Acesso em 4/5/2023.

GOVERNO. Decreto 10.889/2021. Disponível em https://in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.889-de-9-de-dezembro-de-2021-366039278 Acesso em 4/5/2023.

PLANALTO. Lei 12.846/2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm Acesso em 4/5/2023.

REDAÇÃO LEC. Presentes e Entretenimento, quais os limites legais? 31 de março de 2021. Disponível em: https://lec.com.br/presentes-e-entretenimento-quais-os-limites-legais/ Acesso em 4/5/2023.

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Júlia Tiburcio
Mestranda em Direito com ênfase em Compliance na Ambra University.