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Homero no livro “A Odisseia” conta a história do Cavalo de Troia, um cavalo de madeira ofertado pelos gregos durante a guerra, que para surpresa dos troianos, estava recheado de soldados gregos. Dessa maneira, os gregos conseguiram penetrar na fortaleza troiana e abrir caminho para a sua vitória (neste mesmo sentido em computação temos o vírus chamada Cavalo de Troia, um malware que entra inocentemente disfarçado no computador e causa grande estrago).
Resumo o relato de Homero em razão da surpresa que tive ao receber a notícia de que o Deputado Federal Alessandro Molon – PSB/RJ – apresentou o projeto de lei (PL) 3961/2020 que tem o seguinte objetivo: “Decreta o estado de emergência climática, estabelece a meta de neutralização das emissões de gases de efeito estufa no Brasil até 2050 e prevê a criação de políticas para a transição sustentável”.
Não duvido que a motivação do Deputado Molon seja a mais nobre possível ao apresentar o PL, pois, estamos diante de uma ameaça existencial real (embora alguns neguem o fenômeno das mudanças climáticas, assim como também pensem que a terra é plana), ou seja, a natureza e a humanidade correm verdadeiro perigo. Mas daí a propor a decretação de estado de emergência me parece um presente de grego, daí a menção do cavalo.
A temática das mudanças climáticas está entre aquelas que devem ser tratadas na esfera das políticas públicas, ou seja, dentro dos limites estabelecidos pelos mecanismos democráticos de debate e controle. Quando se propõe deslocar um tema da esfera das políticas públicas para uma em que a urgência e emergência são as forças motrizes, o que se está fazendo é a chamada securitização.
Securitizar um determinado tema na política significa aplicar um processo narrativo de política que coloque o objeto referencial (neste caso as mudanças climáticas) em uma posição especial ou urgente que exija uma resposta imediata do Estado. Segundo Barry Buzan (Security: A New Framework for Analysis, 1998), essa abordagem significa “[…] que algo é designado como uma questão de segurança, porque pode-se argumentar que essa questão é mais importante do que outras questões e deve ser absoluta. prioridade.” (traduzido pelo autor). Assim, o objeto de segurança referente deve ser encenado como uma ameaça existencial pelo Estado para gerar na sociedade o endosso de medidas de emergência, que em situações normais devem antes passar pelos debates, formação de consenso e controle, mas que diante da emergência ficariam prejudicados.
Para não correr o risco de ouvir de que este debate faz parte de um pseudo-dilantetismo acadêmico, apresento evidência empírica dos perigos da securitização: a pandemia do Covid-19.
Em artigo publicado este ano no congresso da African International Economic Law Network, cujo título é Securitization of the Health and Economy in the COVID Times, eu e meu colega magistrado no Estado do Amazonas, James Oliveira dos Santos, apontamos para os aspectos teóricos e práticos da securitização da Covid. No artigo, apresentamos os argumentos de que os vírus emergem e reemergem na história do homem (vou deixar para outra oportunidade e sem querer ser alarmista, mas, informo que as mudanças climáticas tem o potencial de liberar no meio ambiente novos vírus desconhecidos pela humanidade), ou seja, um tema que deveria ser tratado da esfera das políticas publicas sanitárias teve que ser alçado para o campo da urgência ou do combate contra o vírus (lembra da guerra contra o Zika?), ou seja, justificando compras desproporcionais que escaparam dos processos e controles licitatórios normais, e, portanto, outras prioridades deixaram de ser atendidas e os resultados estão sendo noticiados: secretários de saúde e outros gestores presos por corrupção e somente uma pequena parte dos recursos desviados foram recuperados.
Desse modo, a experiência mostra que se alguma coisa deve ser feita em relação às mudanças climáticas, isso deve ser feito na esfera do debate democrático e assunção de responsabilidades pelos efeitos negativos e nunca sob o manto da securitização. Por mais bonito e nobre que o PL possa parecer, por dentro está cheio de implicações que não queremos. Se caso aprovado, teremos que lidar com os efeitos, assim como os troianos tiveram que lidar com os gregos, ou seja, derrotados e ainda tendo que lidar com os efeitos negativos.