Como evitar Corrupção e Lavagem de Dinheiro na perspectiva do compliance. Avaliando fornecedores

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Contemporaneamente, os crimes financeiros estão mais complexos. Essa complexidade é tal que o próprio Estado não tem capacidade para cuidar de todas as empresas e tudo o que acontece dentro delas, o que acabou por exigir que o próprio Estado mude a sua forma de agir, delegando a proteção desses bens jurídicos ao setor privado.[1]

Hoje, observamos que a atividade de prevenção à lavagem de dinheiro e corrupção dentro das empresas é de responsabilidade da área de Compliance. Segundo Wagner Giovanini, “compliance” é estar em conformidade com as leis, normas e códigos, externos ou internos, buscando proteger a empresa e seus funcionários”.[2]

Nessa série, vamos analisar como as empresas podem adotar alguns controles visando dificultar tais atividades ilegais. E o primeiro tema a ser debatido é a análise de fornecedores.

Fornecedores

Segundo o Código do Consumidor[3] em seu artigo 3°:

 “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

Mesmo que esse tipo de relação seja comum, é necessário que seja analisada.

Política

É necessário que as empresas tenham uma política de contratação, delimitando os casos em que é necessário contratar outra empresa, tal contratação pode ser válida em diversos cenários, que devem estar delimitados em um documento empresarial.

Em uma lógica corporativa onde existe recursos limitados e um número também limitado de pessoas que desempenham as funções de controle, os negócios que “desviam” da política, devem ser acompanhados mais de perto, no sentido de que seus maiores esforços estarão voltados para a observação do desenrolar desses casos. Já que, exatamente por serem considerados uma exceção da política estabelecida, são tidos como críticos e existiria, uma maior possiblidade de causar danos à empresa.

Tal política, precisa ser muito clara, a respeito de que relação a empresa admite ter e por quê. Suas respectivas responsabilidades necessitam estar muito bem documentas e em contrato. Sem uma diretriz consistente em relação à essa limitação de relação com terceiros, aumenta a discricionariedade das partes envolvidas na negociação, que por sua vez poderiam não buscar o apoio da área de Compliance.

Essas disposições podem fazer parte da política geral da empresa não havendo qualquer obrigatoriedade de ser um documento a parte e especial somente para isso, mas essa disposição, tem que existir.

Análise de risco

Para além da política é necessário que exista uma análise de risco, que nada mais é do que uma tentativa de mitigação de eventuais impactos negativos na atividade que possam vir a ser causados seja por alguma atitude criminosa como fraude, ou até mesmo por erros e omissões não propositais e involuntárias.

Dentro dessa análise será ponderado qual o custo benefício em contratar com essa contraparte, nessa análise, temos que levantar: como ocorre a relação, qual a sua natureza, como ocorrerá o pagamento, qual o serviço prestado, a empresa e seus dirigentes têm boa reputação no mercado, porque a empresa precisa ter essa relação, a empresa é qualificada para a empreitada, possui licença para tanto, existe alguma relação pessoal entre dirigentes das empresas, como vamos nos certificar que a empresa cumprirá com a legislação e quais são os controles que elas possuem.

Toda essa checagem deverá ser feita pela área de compliance, mediante desenvolvimento de checklists e checagem de documentação de suporte, bem como de reuniões que possam se fazer necessárias entre os departamentos jurídicos de ambas as empresas.

Monitoramento

Após diligenciada todas essas questões, a utilização de uma plataforma de prevenção à lavagem de dinheiro para a conferência de notícias e processos públicos se faz necessária. Hoje em dia temos plataformas tanto nacionais e internacionais, que faz buscas de mídias desabonadoras, processos judiciais, bem como traz informações da receita federal e outras entidades governamentais, bem como bases de dados internacionais como as listas restritivas. 

Essas plataformas são muito importantes de serem usadas, pois, em um “click” conseguimos todo tipo de informação, como por exemplo, a respeito de processos judiciais cadastrados no país inteiro, seria impensável fazer essa checagem em cada tribunal para cada pessoa física ou jurídica com as quais trabalhamos, bem como podemos ver o “status” da empresa frente a muitos órgãos governamentais. Podemos monitorar PEPs presentes nos quadros acionários, que são as Pessoas Politicamente Expostas consideradas uma exposição segundo a Lei 9.613/1998, nossa lei que dispõe sobre lavagem de dinheiro. 

Essas plataformas, possuem um sistema de monitoramento 24 horas, ou seja, se ela for incluída em algum processo judicial ou se for publicada uma notícia, por exemplo, a própria plataforma enviará um alerta informativo. A partir desse alerta, a área de compliance, poderá tomar as decisões cabíveis, seja de término contratual ou um monitoramento mais próximo daquele negócio.

Matriz de risco

Todas essas informações precisam ser inseridas na matriz de risco da empresa, que nada mais é do que uma ferramenta de gerenciamento de riscos que permite identificar os riscos a respeito dos quais devemos estar mais atentos, devendo ser aplicada na etapa de avaliação de riscos.[4] Dessa forma ficaria mais clara, quais seriam as ações de controle ou de impedimento que deveriam aplicar nesse caso.

Há um potencial dissuasório em vigiar o negócio de perto. Se os colaboradores, sabem que estão sendo vigiados, existirá um maior temor em iniciar atividades delituosas.

Aprovação

Essa análise precisa ser apresentada à mais alta cúpula da empresa, que por sua vez dependerá de como a empresa está organizada em seu organograma. É possível, por exemplo a formação de um comitê composto por diretores das mais diversas áreas, para que cada um possa analisar o risco de se trabalhar com a contraparte desde a sua perspectiva e expertise.

Por exemplo, o diretor de compliance, analisará dentro da perspectiva de compliance, o CEO, (que é o “chief executive officer”, a pessoa com maior autoridade na empresa), ou em sua falta, aquele que é o responsável pela estratégia e visão da empresa, analisará desde o ponto de vista comercial, o diretor financeiro, analisará desde o ponto de vista de finanças, dos valores que serão recebidos e pagos. A depender do tamanho e porte da empresa, poderão fazer parte da toma de decisão o Conselho de Administração e Conselho fiscal. E assim, poderão tomar uma decisão conjunta de assumir o risco ou deixar de fazer o negócio.

Arquivos e documentos

Tudo precisa ficar documentado e disponível em caso das autoridades pedirem acesso à documentação. Para guardar e disponibilizar a documentação, uma solução simples e prática pode ser dada, como por exemplo uma rede compartilhada de computadores da empresa seria suficiente, intranet ou um repositório on-line em “nuvem”.

Ter a documentação das análises feitas é muito importante, não só pelo princípio da transparência, mas também para poder demonstrar às autoridades que a empresa fez o que estava ao seu alcance para tentar evitar que estivesse sendo usada para a prática de atividades criminosas.

Responsabilidade Corporativa

Hoje, muitas empresas já estão adotando regulações internas próprias, preocupando-se não apenas com o cumprimento de normas, mas também com padrões éticos de atuação empresarial, pois já têm essa responsabilidade social corporativa, investindo, portanto, em um programa de compliance estruturado, que contenha padrões de direção e supervisão da empresa, visando implementar uma cultura de cumprimento que assegure a observância das leis por intermédio da prevenção e identificação das infrações.[5]

Fique atento, pois, nos próximos meses vou abordar outros temas relativos a como evitar casos de corrupção e lavagem de dinheiro sob a ótica do compliance.

Leia também sobre o compliance como estratégia para manter um ambiente de trabalho saudável.

Formação em Compliance

[1] Guimarães. César Caputo. A responsabilidade Penal do Compliance Officer. Editora Contra Corrente 2021. Pág. 51

[2] Giovanini, Wagner. Mecanismo de Integridade ou arma para proteção? In: PAULA, Marco Aurélio Borges de; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. Compliance, Gestão de Riscos e Combate à Corrupção. Editora Forum. 2020. Pág. 121 e 122

[3] Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm Acesso em: 26/08/2024

[4]Napoleão. Bianca Nietto. Ferramentas de qualidade. Matriz de Riscos (Matriz de Probabilidade e Impacto), disponível em: https://ferramentasdaqualidade.org/matriz-de-riscos-matriz-de-probabilidade-e-impacto/ . Acesso em 28/02/2024

[5] Guimarães. César Caputo. A responsabilidade Penal do Compliance Officer. Editora Contra Corrente 2021. Pág.48

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Ana Lucia Tavares Cerqueira
Atuação profissional na área de Compliance, Controles Internos e Regulatório. Mestranda em Compliance. Pós-graduação em direito material e processual do trabalho. Especialização em Gestão jurídica de Seguros e Resseguros, e advogada formada pela Universidade Cândido Mendes.