O que esperar da Arbitragem nos Cartórios

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Introdução

O futuro da arbitragem notarial é uma incógnita, principalmente por ainda não existir nenhuma orientação normativa a respeito, além da Lei nº 14.711/2023 que trouxe a previsão da arbitragem notarial. Apesar disso, de acordo com a prática dos cartórios na mediação e conciliação, bem como a análise da doutrina e da Lei de arbitragem, da Lei dos Notários e Registradores e análise do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça –  Foro Extrajudicial,  é possível delinear uma provável rota que seguirá o Tabelião de Notas em sua nova função. Veremos adiante o que podemos esperar do futuro da arbitragem notarial. Ao final traremos sugestões para as futuras normas, para que se mantenha uma eficiente prestação de serviço tanto pelo árbitro quanto pelo tabelião.

Conciliação e Mediação nos Cartórios Extrajudiciais

Primeiramente cumpre destacar que, desde o ano de 2018, é permitido aos cartórios extrajudiciais praticarem a mediação e a conciliação, sendo que as corregedorias-gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal devem manter em seus sites listagem pública dos cartórios autorizados, conforme art. 19 do Prov. CNJ Nº 149. Ocorre que, ao consultar os referidos sites constatamos que pouquíssimos cartórios possuem autorização/habilitação para praticar a mediação e conciliação, o que nos leva a concluir que os institutos são pouco ou quase nunca utilizados pelos delegatários. Vale ressaltar que, os serviços de conciliação e mediação são facultativos, ficando à cargo do delegatário a decisão de fornecê-los ou não em sua Serventia.

Ao analisarmos os dados de três Estados brasileiros, entre os maiores em quantidade de cartórios[1] verificamos que eles não possuem nem 1% de serventias habilitadas para realizar a conciliação e a mediação, conforme dados disponibilizados pelos Tribunais de Justiça; sendo que o Estado de São Paulo totaliza 1.548 (mil, quinhentos e quarenta e oito) Serventias Extrajudiciais e apenas 4 (quatro) delas habilitadas para praticar a mediação e conciliação[2]; o Paraná possui 1.012 (mil e doze) Serventias e até junho deste ano somente 1 (uma) serventia habilitada, no entanto, em julho mais 6 (seis) serventias passaram a oferecer o serviço de conciliação e mediação[3]. Já o Estado da Bahia conta com o total de 1.143 (mil, cento e quarenta e três) cartórios e apenas 3 (três) habilitados[4].

Os institutos são tão pouco utilizados pelos cartórios extrajudiciais que foi assunto tratado na I Jornada de Direito Notarial e Registral, em 2022, culminando na aprovação do Enunciado 73, que recomenda aos Tribunais e Corregedorias que promovam campanhas para disseminar a prática da mediação e conciliação em cartórios extrajudiciais, informando ao cidadão tal possibilidade.

Conforme o disposto no Prov. CNJ Nº 149 (Código de Normas Nacional), que orienta sobre a conciliação e a mediação nos cartórios extrajudiciais, podemos conjecturar que a arbitragem também será um serviço facultativo (art. 18) aos tabeliães e previamente autorizado (art. 20), pois, provavelmente necessitará de curso de formação tal qual ocorre com a conciliação e mediação.

Diante do atual cenário quanto ao uso dos institutos da conciliação e da mediação dentro dos Cartórios Extrajudiciais, certamente a arbitragem percorrerá um caminho parecido, seja porque poucos Tabeliães se habilitam à prestação desses serviços, seja porque as pessoas ainda preferem judicializar suas demandas ou, como pressupõe o Conselho de Justiça Federal que aprovou o Enunciado 73, isso se dá pelo desconhecimento da população sobre a realização deste procedimento pelos cartórios.

Matérias que poderão ser arbitradas em cartório

Não se sabe se as normas regulamentadoras tratarão de limitar as matérias que serão arbitradas em cartório, porém, o mais coerente seria que elas fossem limitadas a assuntos relacionados aos Cartórios Extrajudiciais, como por exemplo matérias societárias, empresariais, casos como os de Inventário Extrajudicial quando não possui acordo entre os herdeiros/interessados; casos de georreferenciamento de área, que após a medição os confrontantes e os proprietários não conseguem chegar a um acordo para a regularização do imóvel junto ao Cartório de Registro de Imóveis e optam pela arbitragem; ou até mesmo nos assuntos relacionados ao protesto de títulos e documentos.

Conforme pesquisa feita entre os anos de 2021 e 2022 as matérias objeto da arbitragem, de forma geral, foram as societárias; as referentes a contratos de engenharia e energia; trabalhista e desportiva (Lemes, 2023). Não vislumbramos razão para o Tabelião arbitrar matéria trabalhista ou desportiva, ainda que especialista neste assunto; porém é totalmente possível sua atuação em matérias societárias, por exemplo. Isso porque se a arbitragem é realizada dentro do Cartório Extrajudicial, pela figura do Tabelião, que siga a lógica da atuação em matérias relativas ao serviço extrajudicial; nas demais matérias a atuação do árbitro (pelo Tabelião, como pessoa física, fora de sua atuação) pode se dar perfeitamente nas Câmaras de Arbitragem.

Ideal seria que a normativa que tratará sobre a arbitragem preveja a impossibilidade de arbitrar assuntos alheios à atividade notarial e apresentasse um rol exemplificativo das matérias a serem arbitradas nas serventias. Isso porque, além do que já foi citado anteriormente, a finalidade da arbitragem é a solução rápida do conflito, por alguém competente, visando diminuir a sobrecarga do Poder Judiciário que não intervirá no procedimento, dito isso, é necessário que se mantenha a excelente prestação dos serviços extrajudiciais com a nova função de árbitro, evitando a provocação do Judiciário para anulação de sentença arbitral, o que poderia enfraquecer a confiança da população no procedimento e na pessoa do Tabelião.

Arbitragem Ad Hoc e Institucional

Quanto ao tipo, sabemos que a arbitragem pode ser ad hoc e institucional, no primeiro tipo o árbitro é escolhido exclusivamente para aquela arbitragem e não integra nenhuma Câmara Arbitral, e no segundo tipo o árbitro integra Câmara de arbitragem (Macario e Mineiro, 2015, p.140). Não há dúvidas da possibilidade e viabilidade da arbitragem ad hoc pelos Tabeliães, que são altamente preparados para executar suas funções, a dúvida surge quando tratamos da modalidade institucional, neste sentido Ygor Ramos Cunha Pinheiro defende a criação de Câmara Notarial Arbitral Brasileira no âmbito do Colégio Notarial do Brasil (CNB), semelhante a Fundação Notarial Signum “corte arbitral formada pelo Colégio Notarial de Madri, onde os árbitros são notários membros deste.” (Pinheiro, 2020, p. 193-215).

Diante do que foi exposto acima não vislumbramos impedimento para a criação de uma Câmara Notarial, possibilitando ao tabelião atuar ad hoc, ou integrar uma Câmara Notarial Arbitral (institucional) e possivelmente compor um Tribunal arbitral. Neste caso a futura norma de regulamentação deverá prever o limite de atuação territorial do tabelião e a forma do recolhimento dos emolumentos, considerando que os emolumentos são fixados por lei estadual; e consequentemente prever a possibilidade do recolhimento dos emolumentos quando a atuação for ad hoc e/ou quando compuserem um Tribunal Arbitral.

Conclusão

Os cartórios extrajudiciais são fundamentais para dessobrecarregar o Poder Judiciário, prova disso é o aumento da procura pelos serviços cartorários nos atos de inventário, separação e divórcio feitos através de Escritura Pública, que, se, ainda fossem feitos apenas judicialmente teriam piorado consideravelmente a prestação do serviço judicial nos últimos anos, principalmente no período de pandemia (COVID-19) quando houve um aumento considerável no número de divórcios, por exemplo.  

Considerando a importância do Tabelião na desjudicialização e a confiança que as pessoas depositam nele, podemos concluir que a arbitragem é perfeitamente possível e viável de ser exercida pelo tabelião, não porque a legislação permite a qualquer pessoa capaz arbitrar, mas porque o tabelião possui qualificação para atuar como árbitro.

É importante destacar que, para que faça sentido a previsão legal que possibilitou ao tabelião atuar como arbitro, a arbitragem notarial deve ser desempenhada sobre assuntos atinentes aos cartórios extrajudiciais, visando manter a boa prestação dos serviços oferecidos pelos cartórios, bem como preservar a excelência da arbitragem que já é um procedimento bem visto e utilizado mundialmente. Por isso o ideal é que o Tabelião arbitre apenas nas questões envolvendo as matérias de sua competência, das quais detém vasto conhecimento.

Isso porque um dos papeis da arbitragem é de aliviar o judiciário, por isso é necessário cautela para que não se banalize o referido procedimento, nem a função do árbitro e tampouco a do tabelião, e que se mantenha a excelência dos serviços prestados pelo árbitro tanto fora quanto, agora, dentro dos cartórios, a fim de que, futuramente as sentenças arbitrais não precisem ser submetidas ao Poder Judiciário para declaração de nulidade por incompetência (inobservância dos requisitos mínimos legais – art. 32 da Lei de Arbitragem), o que diminuiria a confiança nos árbitros e descredibilizaria o procedimento da arbitragem, que goza de tamanha importância.

Referências

Câmara de Arbitragem do Mercado. Disponível em: <https://www.camaradomercado.com.br/pt-br/arbitragem–custas-e-despesas.html>. Acesso em 6 abr. 2024.

Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CIESP-FIESP. Disponível em: <https://www.camaradearbitragemsp.com.br/pt/arbitragem/tabela-custas.html>. Acesso em 6 abr. 2024.

Conselho de Justiça Federal. I Jornada de Direito Notarial e Registral. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/Direito%20Notarial%20e%20Registral>. Acesso em 7 abr. 2024.

Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/corregedoria/justica_aberta/?>. Acesso em 07 abr. 2024.

LEMES, Selma. Arbitragem em Números: Pesquisa 2021/2022. Canal Arbitragem. São Paulo, 2023. Disponível em: <https://canalarbitragem.com.br/wp-content/uploads/2023/10/Arbitragem-em-Numeros-2023-VF.pdf> Acesso em 31 mar. 2024.

MACARIO, Laise Gonçalves da Silva; MINEIRO, Márcia. Conhecimentos elementares sobre arbitragem: a nova linguagem da solução de conflitos patrimoniais. 2015. Disponível em: <https://periodicos2.uesb.br/index.php/ccsa/article/view/2076/1761>. Acesso em 01 abr 2024.

Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – NUPEMEC. Disponível em: <http://nupemec.tjba.jus.br/nupemec/cartorios-com-conciliacao/>. Acesso em 12 ago. 2024

PINHEIRO, Ygor Ramos Cunha. Arbitragem Notarial. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Conciliação e Mediação. Disponível em: <https://www.tjsp.jus.br/conciliacao/cartoriosextrajudiciais>. Acesso em 12 ago. 2024.

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Conciliação e Mediação nos Serviços Notariais e de Registro. Disponível em:

<https://www.tjpr.jus.br/en/nupemec?p_p_id=com_liferay_asset_publisher_web_portlet_AssetPublisherPortlet_INSTANCE_PUOz8hpZFkzl&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&a_page_anchor=104110569>. Acesso 12 ago. 2024.


[1] Conselho Nacional de Justiça. Para obtermos a quantidade total dos cartórios por Estado foi utilizado o filtro “Relatório – Cartório por Especialidade”. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/corregedoria/justica_aberta/?>. Acesso em 12 ago. 2024.

[2] Disponível em: <https://www.tjsp.jus.br/conciliacao/cartoriosextrajudiciais>. Acesso em 12 ago. 2024.

[3] Disponível em: <https://www.tjpr.jus.br/en/nupemec?p_p_id=com_liferay_asset_publisher_web_portlet_AssetPublisherPortlet_INSTANCE_PUOz8hpZFkzl&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&a_page_anchor=104110569>. Acesso 12 ago. 2024

[4] Disponível em: <http://nupemec.tjba.jus.br/nupemec/cartorios-com-conciliacao/>. Acesso em 12 ago. 2024

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Natalia Bolssoni
Advogada e Consultora Jurídica. Mestranda em Direito na Ambra University. Especialista em Direito Notarial e Registral. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva – CERS.