O Papel da Regulamentação na Governança da IA

O Papel da Regulamentação na Governança da IA
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A Inteligência Artificial (IA) tem transformado rapidamente diversos setores, criando oportunidades, mas também suscitando preocupações éticas e legais. A regulamentação da IA tornou-se um tema central para assegurar que essa tecnologia seja desenvolvida e utilizada de maneira responsável, transparente e em conformidade com os direitos humanos e leis existentes.

Introdução à Governança da IA

A governança da IA refere-se ao conjunto de princípios, normas e práticas destinados a orientar o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial de forma ética e responsável. No contexto jurídico, a governança busca garantir que a IA não viole direitos fundamentais, como a privacidade, a igualdade, e a segurança dos indivíduos.

A necessidade de regulamentação surge devido à natureza única da IA, que pode tomar decisões autônomas e aprender com grandes volumes de dados. Tal capacidade apresenta desafios jurídicos inéditos, como a responsabilidade por decisões erradas ou discriminatórias e o impacto na privacidade e segurança dos cidadãos. Por exemplo:

  • Reconhecimento facial: Muitas cidades, como São Francisco, já restringiram o uso de sistemas de reconhecimento facial em espaços públicos devido ao potencial de violações de privacidade e discriminação racial, especialmente contra minorias;
  • Veículos autônomos: Nos EUA, a administração nacional de segurança no trânsito (NHTSA) e outros órgãos reguladores começaram a emitir diretrizes sobre a responsabilidade de acidentes envolvendo veículos autônomos, levantando questões sobre quem seria o responsável: o motorista, o fabricante do carro ou o desenvolvedor do software de IA.

Desafios da Regulação da IA

Caráter Transfronteiriço da IA

Uma das principais dificuldades em regular a IA é seu caráter transfronteiriço, eis que sistemas de IA podem ser desenvolvidos em um país, treinados com dados de outro e implementados globalmente, e essa globalização cria dificuldades em aplicar regulamentações locais a um fenômeno global.

Natureza Dinâmica da Tecnologia

Outro desafio está na natureza mutável da IA, que evolui constantemente, o que torna difícil estabelecer regulamentações fixas. As leis, por sua natureza, tendem a ser estáticas, enquanto a IA está em constante inovação, demandando que os reguladores criem normas flexíveis ou que prevejam revisões periódicas para acompanhar as mudanças tecnológicas.

Responsabilidade Jurídica

A questão da responsabilidade em caso de erro ou dano causado por uma IA é um dos maiores dilemas enfrentados pelo direito, já que, tradicionalmente, a responsabilidade por danos é atribuída a um indivíduo ou entidade que tenha agido de maneira negligente ou intencionalmente prejudicial. Com a IA, no entanto, é possível que nenhuma pessoa tenha controle direto sobre as ações da máquina no momento do incidente, dificultando, inicialmente, a responsabilização.

Um exemplo prático: No campo da saúde, sistemas de IA já são usados para diagnosticar doenças e sugerir tratamentos. Se um diagnóstico incorreto ou um tratamento inadequado resultar em danos ao paciente, quem seria o responsável? O médico que seguiu a recomendação da IA? O desenvolvedor do software? Ou a instituição de saúde? Pois é, não é tão simples quanto parece.

O Papel das Regulamentações

A regulamentação da IA tem o objetivo de mitigar os riscos associados a essa tecnologia, ao mesmo tempo que promove sua inovação. As regulamentações poderão variar em escopo e intensidade, desde normas específicas para setores, como a saúde, até abordagens mais gerais, como a legislação sobre proteção de dados e direitos fundamentais.

Regulação Setorial

Alguns países têm adotado regulamentações setoriais específicas para lidar com os desafios da IA em determinadas áreas:

  • Na União Europeia, o Regulamento de Inteligência Artificial (AI Act) de 2021 estabelece diferentes níveis de risco para sistemas de IA, impondo requisitos mais rigorosos para aqueles considerados de “alto risco”;
  • Nos EUA, a regulação se dá mais por diretrizes emitidas por órgãos específicos, como por exemplo, a Food and Drug Administration (FDA), que tem emitido orientações para o uso de IA em dispositivos médicos, visando garantir a segurança e a eficácia das tecnologias utilizadas.

Regulação Transversal

Há também esforços para criar normas transversais que regulem a IA de forma mais ampla:

  • O General Data Protection Regularion (GDPR), da União Europeia, embora não seja específico para IA, afeta diretamente o uso de sistemas de IA que lidam com dados pessoais, estabelecendo regras rigorosas sobre o consentimento e o uso ético de dados, com pesadas sanções para o descumprimento;
  • No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) segue princípios semelhantes ao GDPR, impondo limites ao tratamento de dados pessoais e afetando diretamente sistemas de IA que manipulam grandes quantidades de informações.

Um exemplo prático: No Brasil, o uso de IA no setor bancário é regulamentado pelo Banco Central, que busca garantir que os algoritmos utilizados para análise de crédito e decisões financeiras sejam transparentes e não discriminatórios, incluindo garantir que os dados usados sejam tratados em conformidade com a LGPD.

Perspectivas Futuras para a Regulação da IA

O futuro da regulamentação da IA aponta para um equilíbrio entre inovação e segurança. As legislações continuarão a evoluir para acomodar as novas tecnologias, com a crescente participação de fóruns internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas (ONU), que têm buscado estabelecer princípios globais para a governança da IA.

Ainda, espera-se, que as regulamentações futuras incluam requisitos de transparência e explicabilidade dos algoritmos, para garantir que as decisões tomadas pela IA possam ser compreendidas e auditadas. Ademais, o uso ético da IA será central, com um foco maior em princípios de justiça, responsabilidade e não discriminação.

Logo, fica claro que a regulamentação desempenha um papel crucial na governança da IA, equilibrando os benefícios da inovação tecnológica com a necessidade de proteger direitos e garantir a segurança.

O desafio para os legisladores será manter a flexibilidade das leis em um ambiente tecnológico em constante mudança, enquanto estabelecem salvaguardas adequadas. O futuro da regulamentação da IA depende de um esforço global coordenado, que envolva tanto atores públicos quanto privados, a fim de assegurar que a IA seja uma força positiva para a sociedade.

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Mariana Gonçalves
Advogada especialista em privacidade e proteção de dados pessoais, CIPM/IAPP, CDPO/BR, DPO e Information Security Officer pela EXIN, AI Governance Manager. Auditora Líder nas ISOs 27001, 27701 e 42001. Coautora dos livros “LGPD e Cartórios” e “Mulheres na Tecnologia”, e mestranda em Science in Legal Studies.