Diminuindo o distanciamento psicológico na internacionalização de empresas: o novo código civil chinês

Escutar o texto
Voiced by Amazon Polly

Em artigo publicado neste Portal, o professor Ricardo Leite abordou a distância psicológica existente no processo de internacionalização de empresas, que em síntese para ele é:

[…] é o conjunto de barreiras estabelecidas pelos agentes que pretendem participar do processo de internacionalização, fruto do desconhecimento das variáveis desse processo, e que se põe como elemento a afastar tais agentes do seu propósito de concluir transações num espaço geográfico que excede o seu próprio país. (https://www.direitoprofissional.com/a-distancia-psicologica-no-processo-de-internacionalizacao/).

Segundo o professor Ricardo, a maneira de afastar ou diminuir a distância psicológica passa pela internacionalização da pessoa em primeiro lugar, ou seja, a busca pelo conhecimento e experiências pessoais que possam quebrar preconceitos e expandir nosso entendimento sobre novas culturas e formas de organização social. Com isso, esta carga acumulada de conhecimento e experiências pode ser expandida para as organizações empresarias.

Um aspecto importante que gostaria de abordar neste artigo para contribuir com a diminuição ou eliminação da distancia psicológica em relação à China. É claro que em se tratando da China, qualquer dimensão que se possa abordar é gigantesca, mas, me concentrarei na aprovação e promulgação do Código Civil Chinês por julgar ser uma tentativa de do país em também diminuir a distância com outras culturas, economias e sociedades.

Antes de entrar no Código Civil faço um alerta no sentido de iniciar a desconstrução de nossas visões acerca da China: enxergamos o país a partir das lentes do Ocidente e de toda a construção filosófica herdada e, ao assim fazer, percebemos o país como exótico, diferente, violador de direitos humanos, etc. Enxergamos a China, cuja matriz filosófica foi durante séculos construída sob o coletivismo a partir de nossa matriz individualista herdada do movimento iluminista. Este fenômeno de descrever o outro a partir de nós mesmos, chegando a percepções distorcidas é o que Edward Said chama de “orientalismo”.

Desse modo, convido a todos a fazer uma reflexão sobre a forma como enxergamos o outro sem entender (ou em outras palavras, sem se colocar no lugar do outro) toda a carga formativa de sua cultura e valores que, aparentemente possa parecer estranho, mas que ao final podemos compreender melhor algumas percepções errôneas que temos.

Feitas estas considerações preliminares, vamos ao Código Civil Chinês. O tão esperado Código Civil da República Popular da China foi aprovado pelo 13º Congresso Nacional do Povo (“NPC”) em 28 de maio de 2020 e entrou em vigor na data de 1º de janeiro de 2021. O Civil O Código é uma coleção abrangente de leis e regulamentos existentes, bem como de interpretação judicial relacionada a atividades e relações civis, incluindo, mas não se limitando a, direitos de propriedade, contratos, casamento e família, sucessão, delito e direitos pessoais.

A China vem tentando ter um código civil abrangente desde 1950. Algumas tentativas anteriores foram malsucedidas devido à então difícil turbulência econômica e política ou mudanças radicais nas condições econômicas e sociais do país. Como resultado, o Comitê Permanente do NPC decidiu adotar uma abordagem de “varejo”, promulgando uma série de estatutos separados que regem questões de direito civil individuais primeiro na esperança de integrá-los em um código unificado quando chegasse o momento certo.

Desde a década de 1980, a China promulgou uma série de leis civis autônomas, incluindo os Princípios Gerais de Direito Civil (“GPCL”), Disposições Gerais da Lei Civil, Lei do Casamento, Lei de Heranças, Lei de Adoção, Lei de Segurança, Lei dos Contratos, Propriedade Lei e Lei de Responsabilidade Civil. Essas leis foram sistematicamente integradas ao Código Civil e deixaram de vigorar concomitantemente à entrada em vigor do Código.

O Código Civil consiste em 7 partes, ou seja, Regras Gerais, Direitos de Propriedade, Contratos, Direitos da Personalidade, Casamento e Família, Direito de Herança e Responsabilidade Civil, com um total de 1.260 artigos. Resumimos brevemente a relação de cada parte com as leis existentes:

  • Parte das Regras Gerais é idêntica ao GPCL, exceto por algumas mudanças nas redações;
  • Parte dos Direitos de Propriedade é baseada na Lei de Propriedade, Lei de Segurança e suas respectivas interpretações judiciais com algumas alterações;
  • Parte dos Contratos é baseada na Lei dos Contratos e introduz algumas novas disposições;
  • Parte dos Direitos da Personalidade não possui um estatuto autônomo correspondente. Baseia-se em algumas disposições dos Princípios Gerais do Direito Civil e incorpora uma série de novas disposições;
  • Parte do Casamento e da Família combina a Lei do Casamento e a Lei da Adoção;
  • Parte dos Direitos da Herança é baseada na Lei da Herança; e
  • Parte de Responsabilidade Civil é baseada na Lei de Responsabilidade Civil com alguns ajustes estruturais.

Desse modo, o direito Chinês passa a se aproximar muito dos ordenamentos jurídicos de países Ocidentais, especialmente daqueles que tem como base o Direito Romano, que é o caso do Brasil. Com isso, a distância jurídica diminui entre a China e o Brasil, ficando mais fácil a compreensão das regras do jogo ao se fazer negócios na China, contribuindo sobremaneira para a redução e eliminação de grande parte das barreiras psicológicas existentes.

Previous articleCompliance ambiental: quais os benefícios para a empresa?
Next articleCompliance fiscal: qual sua importância e como implementar?
Douglas Castro
Head Professor of Law of the Center for Advanced Studies in International Law and Politics (CAS-ILP). View my research on my SSRN Author page: https://ssrn.com/author=2358659