O papel das instituições de arbitragem

O papel das instituições de arbitragem
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Autores:
Daniel Brantes Ferreira
Alice Kopke
Natália Ribeiro
Gabriela Matos

A arbitragem é um dos meios mais utilizados para solução de conflitos domésticos e internacionais. No Brasil, desde antes do advento da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), ainda quando a temática era regulada pelo Código de Processo Civil de 1973(artigos 1.072 a 1.102) já haviam sido fundadas instituições idôneas e que realizavam a gestão dos procedimentos com os padrões éticos e profissionais desejados (o CAM-CCBC, por exemplo, teve sua fundação em 1979).

Internacionalmente as instituições arbitrais mais proeminentes são instituições centenárias. A London Court of International Arbitration (LCIA) foi fundada em 1892, o Arbitration Institute of the Stockholm Chamber of Commerce (SCC) foi fundado em 1917 e a International Court of Arbitration da International Chamber of Commerce (ICC) foi fundada em 1923. A instituição arbitral mais antiga do mundo, no entanto, é a Permanent Arbitration Court at the Croatian Chamber of Economy de 1853 localizada em Zagreb.

Nacionalmente as principais câmaras encontram-se listadas na Leaders League[1] e com forte concentração no sudeste e sul do país. No entanto, a grande maioria das câmaras listadas foi fundada após o advento da Lei de Arbitragem em 1996 (a CAMARB foi fundada em 1998 e o CBMA em 2002). Três exceções são a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp inaugurada em 1995, o CAM-CCBC, como já mencionado, inaugurado em 1979 e a Câmara de Mediação e Arbitragem (ARBITAC), da Associação Comercial do Paraná (ACP) criada em 1996 pouco antes da promulgação da Lei. Instituições locais também realizam função essencial na solução de conflitos da comunidade. Um bom exemplo é a 1ª Corte de Conciliação e Arbitragem da ACIA em Anápolis, Goiás criada em maio de 1996 e com foco na arbitragem no Direito Imobiliário.

A lei modelo de Arbitragem Comercial da UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law) de 1985 (com emendas adotadas em 2006) é hoje adotada em 85 países e 118 jurisdições[2]. Os artigos 19, 20, 21 e 22 da lei modelo privilegiam a autonomia da vontade das partes para determinarem as regras aplicáveis ao procedimento, decidirem sobre a língua a ser utilizada e decidirem sobre o lugar da arbitragem (sede/seat).

Formação em Arbitragem

A lei de arbitragem brasileira (Lei 9.307/1996), possui inspiração principal na revogada lei de arbitragem espanhola de 1988 (Ley nº 36/1988), no entanto, possui tintas da lei modelo da UNCITRAL. Sendo assim, nossa lei segue a mesma lógica e privilegia a autonomia da vontade tendo como principal exemplo a previsão da autonomia da cláusula compromissória com relação ao contrato no caput do artigo 8º.

Em suma, câmaras de arbitragem podem ser criadas livremente no Brasil e na maioria dos países estrangeiros. A Rússia seria a principal exceção onde apenas instituições licenciadas pelo Ministério da Justiça podem administrar procedimentos arbitrais. Até mesmo instituições arbitrais estrangeiras que desejem administrar arbitragens internacionais que tenham como sede a Rússia necessitam de obtenção da aludida licença (possuem a licença, por exemplo, o Hong Kong International Arbitration Centre – HKIAC e o Vienna International Arbitral Centre – VIAC). O Capítulo 9 da Lei de Arbitragem Doméstica Russa (Lei Federal nº 382-FZ/2015) estabelece, em seu artigo 44, as regras de criação e funcionamento das instituições permanentes de arbitragem (conceito introduzido pela reforma de 2016) na Federação Russa. As instituições, por exemplo, devem necessariamente ser sem fins lucrativos.[3]

Tal influência direta na autonomia das instituições de arbitragem e no princípio da livre iniciativa explica a razão pela qual a Federação Russa não seja considerada arbitration friendly.

A autonomia da vontade, princípio fundamental da arbitragem, permite que as partes escolham a instituição que administrará seu procedimento bem como permite a escolha dos árbitros e regras que regerão o procedimento.

No entanto, algumas perguntas são recorrentes: 1. Qual a diferença entre tribunal arbitral e câmara arbitral? 2. Quais são as funções da instituição arbitral na administração do procedimento?

A instituição arbitral ou câmara arbitral é responsável pela gestão do procedimento desde a fase preparatória (pré-arbitral: prévia à instauração do tribunal arbitral) até a finalização da jurisdição do tribunal com a prolação da sentença arbitral ou decisão sobre eventual pedido de esclarecimentos (embargos arbitrais). São responsáveis pela gestão do procedimento especificamente a secretaria geral e seu(s) case(s) manager(s). A instituição arbitral percebe, em regra, dois tipos de taxas para a gestão da arbitragem: a taxa de instauração do procedimento e a taxa de administração do procedimento. Tais taxas geralmente são calculadas de forma proporcional ao valor da disputa e cada instituição possui tais valores tabelados.

Uma instituição arbitral administrará os procedimentos relativos às disputas que foram encaminhadas para a câmara por serem, em regra, oriundas de contratos que continham cláusulas compromissórias de arbitragem que remetem aquela instituição. Cada uma destas disputas originará a formação de um tribunal arbitral. Os árbitros (único ou painel) são escolhidos pelas partes em disputa (na prática, quando a arbitragem é ordinária, ou seja, não é o procedimento expedito, o tribunal é composto por três árbitros). Em suma, uma instituição arbitral administrará o número de tribunais arbitrais correspondente ao número de disputas encaminhadas à câmara.

As instituições arbitrais exercem funções distintas, no entanto, de auxílio e complementares às funções dos tribunais arbitrais institucionais. São estas as principais suas principais funções: 1. Receber e processar o requerimento de instauração de arbitragem; 2. Decidir sobre questões procedimentais antes da instauração do tribunal arbitral; 3. Recolher as custas relativas ao procedimento; 4. Comunicar aos árbitros sobre sua nomeação pelas partes e recolher a assinatura no termo de aceitação, independência, disponibilidade e imparcialidade; 5. Receber e encaminhar eventuais pedidos preliminares das partes com pedido de informações para os árbitros (prévios às arguições de recusa); 6. Processar e julgar eventuais arguições de recusa de árbitros; 6. Decidir o valor das taxas e honorários arbitrais em disputas com valor incerto; 8. Nomear árbitros em hipótese de discordância entre as partes e nomear árbitro de emergência; 9. Auxiliar na organização de audiências (sendo a primeira a audiência de assinatura de termo de arbitragem) e realizar seu acompanhamento; 10. Ser o hub de comunicação (comunicando todas as fases procedimentais e decisões do tribunal – ordem processuais e sentenças) entre árbitros, terceiros (peritos, por exemplo) e partes. 11. Decidir sobre a consolidação de procedimentos conexos.

Para que um procedimento arbitral possua andamento célere, efetivo e econômico o tribunal arbitral deve comunicar-se de forma eficaz com a instituição arbitral para realizar a melhor gestão do procedimento. Sendo assim, é usual que o tribunal arbitral recorra à instituição arbitral para discussão de dispositivo constante no regulamento de arbitragem.

Comparativamente, a função primordial do tribunal arbitral é a tomada de decisões no procedimento e a coleta probatória que julgar pertinente. A instituição arbitral auxiliará o tribunal, em termos administrativos, em todas as etapas do procedimento.

É boa prática institucional o estabelecimento de um expediente interno de gestão do procedimento, ou seja, prazos internos para encaminhamento das comunicações para árbitros e partes. Tal regimento interno traz eficiência e organização.

Dessarte, o princípio da livre iniciativa que permite a criação das instituições arbitrais sem intervenção estatal (com exceção da citada Federação Russa) e a, consequente, elaboração de seus regulamentos de arbitragem possibilita que as partes escolham a instituição arbitral mais adequada ao seu conflito fazendo uso da autonomia de sua vontade (levando em consideração suas regras, custo, qualidade e área de especialidade). Uma instituição reconhecida pela sua gestão de qualidade do procedimento será sempre uma escolha razoável, mesmo que seu custo seja um pouco maior. Gerir disputas é uma grande responsabilidade, portanto, instituições idôneas devem sempre ser prestigiadas.


[1] Vide a lista referente ao ano de 2021 em https://www.leadersleague.com/pt/rankings/resolucao-de-conflitos-ranking-2021-camaras-de-arbitragem-brasil. Acesso: 19.11.2021.

[2] Vide status da lei modelo da UNCITRAL em https://uncitral.un.org/en/texts/arbitration/modellaw/commercial_arbitration/status. Acesso: 22.11.2021.

[3] Vide a Lei de Arbitragem Russa em https://centerarbitr.ru/wp-content/uploads/2019/03/Federal-Law-On-Arbitration_as-amended.pdf. Acesso: 22.11.2021.

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Daniel Brantes
Vice-Presidente de Assuntos Acadêmicos do CBMA (Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem) CBMA's (Brazilian Center of Mediation and Arbitration) Vice President of Academic Affairs Pesquisador do The Baldy Center for Law & Social Policy (University at Buffalo Law School) Editor-Chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution - RBADR Editor-in-Chief of the Brazilian Journal of Alternative Dispute Resolution - RBADR Research Fellow at The Baldy Center for Law & Social Policy (University at Buffalo Law School) Advogado, Árbitro e Professor de Direito Lawyer, Arbitrator and Professor of Law