Arbitragem Notarial: A função do Árbitro e do Tabelião de Notas

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A Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023 (Lei das Garantias) ampliou o rol das atividades exercidas pelo Tabelião de Notas, possibilitando-o atuar, sem exclusividade, como árbitro (Art. 7º-A, III, da Lei nº 8.935/1994). Diante disso faremos uma análise comparativa entre a função do Árbitro e do Tabelião de Notas, que exercem papel fundamental quando o assunto é desjudicialização.

A Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) prevê que o árbitro é juiz de fato e de direito (art. 18) e que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes (caput, art. 13), devendo proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição (§6º, art. 13). Os casos de impedimentos e suspeição estabelecidos entre os artigos 144 a 148 do Código de Processo Civil aos juízes no âmbito judicial se aplicam aos árbitros, bem como os deveres e responsabilidades (art. 14). Ressalta-se, ainda, que o árbitro receberá honorários pelo procedimento que atuar (art. 11, incisos V e VI).

Apesar da lei prever que o árbitro pode ser “qualquer pessoa capaz”, isso não significa que qualquer pessoa que não tenha conhecimento da matéria arbitrada deve decidir sobre aquele assunto, isso porque a mesma lei equipara o árbitro ao juiz de direito (e funcionários públicos) e sua sentença à sentença do Poder Judiciário, constituindo título executivo (art. 31). Portanto, o árbitro precisa ter conhecimento sobre a matéria e o procedimento, pois está sujeito a responsabilização civil e penal (arts. 14 e 17).

Ao árbitro compete regular o procedimento da arbitragem quando delegado pelas partes ou quando não houver, na convenção de arbitragem, estipulação a respeito (caput e §1º, art. 21); expedir carta arbitral (art. 22-C); tentar a conciliação no início do procedimento (§4º, art. 21), tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias (art. 22), para finalmente proferir a sentença arbitral, que não está sujeita a recurso nem homologação pelo Poder Judiciário (art.18). Ressalta-se, ainda, que nos casos de concessão, pelo Poder Judiciário, de medidas cautelares ou de urgência, caberá aos árbitros mantê-la, modificá-la ou revogá-la quando instituída a arbitragem, ou analisar o pedido caso este tenha sido feito diretamente ao árbitro (caput, art. 22-B, parágrafo único).

Já o tabelião de notas é o titular de serviço notarial por delegação, e para exercer a atividade é necessário ser habilitado em concurso público de provas e títulos; ser brasileiro e capaz civilmente, possuir conduta condigna para o exercício da profissão, estar quite com as obrigações eleitorais e militares, ser bacharel em direito (art. 14) ou possuir, até a data da primeira publicação do edital do concurso público, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro (art. 15). Sendo que “a função notarial é uma função pública e, portanto, o notário tem autoridade de Estado. É exercida de forma imparcial e independente, sem estar hierarquicamente entre os funcionários do Estado” (Ferreira e Rodrigues, 2023, p. 15), sendo, portanto, uma função pública exercida em caráter privado.

As funções do tabelião estão descritas na Lei nº 8.935/1994, que resumidamente é a de formalizar juridicamente a vontade das partes e autenticar fatos (art. 6º), sendo que, somente eles podem lavrar escrituras e procurações, públicas, atas notariais, reconhecer firmas, autenticar cópias, lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados (art. 7º); podendo ainda, sem exclusividade, certificar o implemento ou a frustração de condições e outros elementos negociais, atuar como mediador ou conciliador e árbitro (art. 7-A). Vale ressaltar que a atividade notarial possui incompatibilidade (art. 25) e impedimentos, sendo impedido de “praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse, ou de interesse de seu cônjuge ou de parentes, em linha reta, ou na colateral, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau” (art. 27).

O Tabelião é responsável civilmente por todos os prejuízos que causar a terceiros, pessoalmente, ou por seus prepostos, por culpa ou dolo, cabendo ação de regresso (Art. 22) sendo a responsabilidade criminal individualizada e aplicada, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública (art. 24). Por fim, vale ressaltar, sobre a remuneração do Tabelião, que este tem direito à percepção de emolumentos pelos atos que praticar (art. 28).

Vale destacar que, tanto a Lei de Arbitragem, em seu art. 13, §1º, quanto a Lei dos Notários e Registradores em seu art. 8º, garante às partes a livre escolha do árbitro e do tabelião, no entanto o árbitro pode atuar em qualquer lugar, sem limite territorial, pois a lei não o impede, diferentemente do notário que “não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação” (art. 9º da Lei nº 8.935/1994).

O Árbitro e o Tabelião são remunerados pelos atos que praticam, ao primeiro são devidos honorários e ao segundo, emolumentos. Os honorários podem ser fixados pelas partes no compromisso arbitral, conforme o art. 11, inciso VI e parágrafo único da Lei de Arbitragem, mas, também podem ser estabelecidos pelas Câmaras de Arbitragem por percentual sobre o valor do litígio, como é o caso da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CIESP-FIESP, ou estabelecido pela hora trabalhada, conforme determinado pela Câmara de Arbitragem do Mercado, por exemplo. Já os emolumentos devido aos tabeliães são fixados pelo Estado (ou pelo Distrito Federal) em que se localiza o Cartório (art. 1º da Lei nº 10.169/2000).

A Confidencialidade no exercício das atividades

Outro assunto que merece destaque ao compararmos as duas funções é a confidencialidade. Quanto ao sigilo, a Lei de Arbitragem é silente, trazendo apenas o dever de discrição do árbitro, porém, as partes têm liberdade de escolher as regras que serão aplicadas, e convencionando sobre a confidencialidade da arbitragem ou constando no regulamento das Câmaras, o procedimento será sigiloso. “Na arbitragem a regra é que o processo seja confidencial, tendo caráter sigiloso, sendo tão somente necessário que o árbitro e as partes tomem conhecimento do processo, a menos que seja da vontade das partes a publicidade do processo. Vale salientar que o sigilo não é imposto por lei, mas sim um hábito cultivado no instituto da arbitragem;” (Macario e Mineiro, 2015, p.133).

Ao tabelião é devido “guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício de sua profissão” (inciso VI, do art. 30, da Lei n 8.935/1994). E apesar do princípio da publicidade precisar ser respeitado pelos cartórios extrajudiciais, é necessário compreender que há diferença entre a publicidade nos serviços registrais e nos serviços notariais. Vejamos o comparativo sobre a publicidade contida nas Leis nº 6.015/1973 e nº 8.935/1996 apresentado por Karin Regina Rick Rosa (2023):

O instrumento é público porque redigido e conservado por um agente público – que é o notário, também incumbido de expedir as certidões, e é preciso ressaltar que a lei não diz a quem essas certidões se destinam, diferentemente do que acontece com as certidões expedidas por registradores públicos. ( . . . )

Registradores públicos são obrigados a lavrar certidões do que lhes for requerido (objeto mais amplo) e a fornecer às partes as informações solicitadas (não apenas dos atos de registro em sentido amplo por eles praticados). ( . . . ). De outro lado, é importante repetir que em momento algum a lei 8.935/94 determina a expedição de certidões pelo notário a qualquer pessoa, tampouco existe previsão legal do fornecimento de certidão de outras informações que estejam sob a guarda do notário.

De igual modo a doutrina ensina que devemos distinguir “forma pública” de “publicidade”, sendo a forma pública a solenidade exigida pela lei, e a publicidade é o efeito da lavratura do ato, que pode ser mitigada para garantir o direito à intimidade e a vida privada, e que apesar de, ainda, muitos notários desconhecerem seu papel fundamental na proteção dos direitos individuais e muitos operadores do direito recusarem a ideia da publicidade restrita, ela deve ser defendida, visando proteger e a intimidade das pessoas (Ferreira e Rodrigues, 2023, p. 33-34).

Portanto, não é correto afirmar que todos os atos praticados no cartório extrajudicial são públicos no sentido de serem acessíveis a qualquer pessoa, prova disso é a previsão de confidencialidade nos procedimentos de conciliação e mediação realizadas pelos notários e registradores, expressamente descrita no art. 24 do Provimento CNJ nº 149/2023: “Toda e qualquer informação revelada na sessão de conciliação ou mediação será confidencial, salvo as hipóteses do art. 30 da Lei n. 13.140/2015.”

Conclusão

Portanto, podemos concluir que o Árbitro e o Tabelião devem guardar sigilo sobre os atos que praticarem; aos árbitros aplicam-se as regras de impedimento e suspeição dos juízes prevista no Código de Processo Civil, ao tabelião aplica-se, em regra, os impedimentos previstos na Lei dos Notários e Registradores, mas quando atua como conciliador e mediador também se sujeita às mesmas regras de impedimento e suspeição que o árbitro (Art. 25, do Provimento nº 149 de 30/08/2023); ambos possuem deveres e responsabilidades, podendo inclusive responder civil e penalmente pelos atos que praticarem em exercício; os dois podem ser escolhidos livremente pelas partes; ao árbitro não há limite territorial para sua atuação, mas o tabelião deve respeitar o limite do Município para o qual recebeu delegação; e por fim, ambos serão remunerados pelo serviço que prestarem.

Leia também sobre a adesão ao árbitro de emergência opt in e opt out.

Referências

FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Tabelionato de Notas. 6. ed. Indaiatuba – SP: Editora Foco, 2023.

MACARIO, Laise Gonçalves da Silva; MINEIRO, Márcia. Conhecimentos elementares sobre arbitragem: a nova linguagem da solução de conflitos patrimoniais. 2015. Disponível em: <https://periodicos2.uesb.br/index.php/ccsa/article/view/2076/1761>. Acesso em 01 abr 2024.

ROSA, Karin Regina Rick. LGPD exige distinção entre a publicidade notarial e a publicidade registral. 2023. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/387898/lgpd-exige-distincao-entre-publicidade-notarial-e-registral>. Acesso em 01 abr. 2024.

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Natalia Bolssoni
Advogada e Consultora Jurídica. Mestranda em Direito na Ambra University. Especialista em Direito Notarial e Registral. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva – CERS.