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É muito comum em empresas, principalmente, familiares ou de pequeno porte utilizarem de um único profissional para a realização de várias atividades, ainda que complementares à função executada.
Ocorre, contudo, que apesar da Consolidação das Leis do Trabalho não proibir tal prática, exceto quando houver cláusula específica no contrato de trabalho delimitando as atividades a serem desempenhas ou quando tais atividades extrapolarem a capacidade física do trabalhador, é possível que haja algum conflito de interesses.
O conflito surge a medida em que as atividades a serem exercidas por um profissional são contraditórias, impedindo o efetivo exercício da função. Ainda, ocorre conflito, quando o ímpeto do profissional sobrepuja os interesses da empresa, impedindo ou dificultando a aplicação dos princípios e objetivos do empreendimento.
O profissional que atua no setor jurídico, não raro, possui participação no setor de compliance, situação esta que pode gerar conflito na tomada de decisões. Exemplo disso ocorre quando o setor jurídico é instado a buscar soluções ou eventuais interpretações na Lei, a fim de viabilizar um negócio e o compliance é contrário a tal atividade, seja em razão de eventual burla à legislação, seja por contrariar eventual princípio corporativo. Neste sentido, o profissional único, do jurídico e do compliance, fica impossibilitado de decidir de forma viável, posto estar diante de nítido conflito de interesses.
O aproveitamento de um mesmo profissional para atuar em mais de um setor pode ser entendido como uma estratégia econômica e de conveniência para a própria empresa, mas a sua prática desenfreada pode gerar riscos ao negócio.
Apesar do advogado ser conhecedor da legislação e possuir expertise quanto à análise do risco do negócio, principalmente, sob o aspecto trabalhista, é importante que haja profissional próprio na realização das atividades, a fim de que, tanto o compliance, quanto o jurídico, possam atuar no atingimento de seus objetivos.
É importante pontuar que não se questiona aqui qualquer proibição de um advogado atuar no setor de compliance, mas sim o fato deste mesmo profissional atuar nos dois setores simultaneamente. Cabe à empresa mitigar os riscos de eventual prática para que seu negócio não seja atingido, orientando-se que tal análise seja feita, conjuntamente, com um profissional especializado e com atuação externa ao empreendimento.
Outro exemplo clássico de conflito de interesse ocorre quando alguma decisão é tomada para favorecer um familiar, amigo ou afeto, seja por estar subordinado ou por se beneficiar diretamente com referida decisão.
A ISO 37001, que trata sobre o sistema de gestão antissuborno, traz em linhas claras a situação de conflito de interesses e como a organização deve agir, valendo os destaques:
“A.8.3 Conflitos de interesse Convém que a organização identifique e avalie o risco de conflito de interesses interno e externo. Convém que a organização informe a todo seu pessoal, de maneira clara, o dever de relatar qualquer conflito de interesse, real ou potencial, como conexão familiar, financeira ou outra direta ou indireta, que esteja relacionada à sua linha de trabalho. Isto auxilia a organização a identificar situações nas quais seu pessoal possa facilitar ou falhar em prevenir ou relatar subornos, por exemplo. a) quando o gerente de vendas da organização possui relação com o gerente de compras do cliente, ou b) quando um gerente de linha da organização possui interesse financeiro pessoal em negócios do concorrente. Convém que a organização mantenha preferencialmente registro de qualquer circunstância de conflitos de interesse, reais ou potenciais, bem como das ações adotadas para mitigar o conflito”.
A empresa, representada pelo setor de compliance, deve estar atenta a possíveis situações que implicariam em conflito, agindo com acuidade para combater qualquer efeito negativo que possa ocorrer. Desta feita, deve-se garantir a eficácia do canal de denúncias, elaborar código de conduta detalhado, proceder com auditorias e due diligence periodicamente, promover palestras, treinamentos e contato direto com as equipes, por exemplo.
Empresas familiares tendem a gerar maiores conflitos de interesses em razão da relação muito próxima entre os integrantes, contudo, uma boa gestão do compliance é capaz de evitar a prática sem que haja qualquer desconforto na equipe.
A integridade da empresa é fator extremamente importante para a visibilidade de mercado e da equipe, além de impactar diretamente nos interesses do consumidor ou do investidor, de forma que o controle da situação é medida imprescindível a ser tomada pelo setor de compliance, evitando, assim, prejuízos maiores.
Havendo omissão na tratativa da situação, a empresa pode abrir precedentes para várias irregularidades, como: corrupção, negociações antiéticas, assédio moral, dentre várias outras passíveis de ajuizamentos de ações, fiscalizações, multas, etc.
Isto posto, apesar de ser vantajoso economicamente o aproveitamento da expertise de alguns funcionários para a realização de atividade complementares ou, ainda, a unificação de setores, investir em um bom programa de compliance com profissionais adequados, poderá resultar em maior segurança ao negócio, promovendo, desta feita, maior confiabilidade para todos os envolvidos, minimizando os riscos oriundos de qualquer conflito de interesse a ser descoberto.
Leia também sobre como utilizar o compliance como estratégia para manter um ambiente de trabalho saudável.
Fontes:
Associação Brasileira de Normas Técnicas. ISO 37001:2017. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/55a-legislatura/comissao-de-juristas-administracao-publica/documentos/outros-documentos/NBRISO370012017.pdf
LEC. O que é conflito de interesse? Redação LEC. Junho/2021. Disponível em: https://lec.com.br/o-que-e-conflito-de-interesses/ Governo Federal. Combate ao conflito de interesses. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/dinteg/combate-ao-conflito-de-interesses