Presentes e Entretenimento: Limites Legais do setor público

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Os casos de corrupção e lavagem de dinheiro em que estejam envolvidas agentes públicos e empresas privadas são incontáveis. Um ponto de atenção para as empresas da iniciativa privada é como ela re relaciona com o Poder Público na hora de ofertar Presentes e Entretenimento.

Nesse breve artigo vamos abordar a legislação aplicável quando o assunto é oferta de presentes e entretenimento para agentes pertencentes ao poder público.

No caso da não observância da legislação aplicável é possível que as pessoas incorram na prática de crimes.

Legislação Aplicável

Lei n° 8.112/1990

A  Lei n° 8.112/1990[1], dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, em seu art. 117 inciso XII, proíbe ao servidor público:

“XII – receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;”

Resolução Nº 3, de 23/2000

A Resolução Nº 3, de 23/ 2000[2], dispõe sobre as regras sobre o tratamento de presentes e brindes aplicáveis às autoridades públicas abrangidas pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal, traz duas exceções:

“2. É permitida a aceitação de presentes:

I – em razão de laços de parentesco ou amizade, desde que o seu custo seja arcado pelo próprio ofertante, e não por pessoa, empresa ou entidade que se enquadre em qualquer das hipóteses previstas no item anterior;

II – quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciprocidade ou em razão do exercício de funções diplomáticas.”

Permitindo inclusive em seu item 3 que o presente seja recebido e depois doado, bem como a aceitação de Brinde no valor de até R$100,00 (item 5 da norma supracitada)

Lei 12.813 de 2013

A Lei 12.813 de 2013[3], por sua vez, dispõe dentro de outras coisas sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal, determina que:

“Art. 5º Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

VI – receber presente de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe fora dos limites e condições estabelecidos em regulamento;”

Decreto no. 10.889/2021

Tal disposição tem um Decreto que o regulamenta, que é o Decreto no. 10.889/2021[4], que define bem em seu art. 5º, algumas figuras importantes nessa discussão que estamos tendo:

“V – hospitalidade – oferta de serviço ou despesas com transporte, com alimentação, com hospedagem, com cursos, com seminários, com congressos, com eventos, com feiras ou com atividades de entretenimento, concedidos por agente privado para agente público no interesse institucional do órgão ou da entidade em que atua;

VI – brinde – item de baixo valor econômico e distribuído de forma generalizada, como cortesia, propaganda ou divulgação habitual;

VII – presente – bem, serviço ou vantagem de qualquer espécie recebido de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe e que não configure brinde ou hospitalidade; e”

Tal Decreto, também elenca em seu artigo 19 como a hospitalidade pode ser oferecida e aceita, e seus artigos 17 e 18, delimitam a regra no caso dos presentes.

É muito importante que tais leis sejam obedecidas e seguidas à risco, tendo em vista que, qualquer desvio poderá ser enquadrado como crimes de corrupção ativa e passiva pelo nosso Código Penal (Decreto- Lei n º 2.848)[5].

Código Penal

“Corrupção passiva

        Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.”

  “Corrupção ativa

        Art. 333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”

“Corrupção ativa em transação comercial internacional

        Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional:  (Incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002)

        Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.”

Pode um presente ou entretenimento ser válido?

Se faz necessário reconhecer que, muitas vezes, um presente e uma oferta de entretenimento pode ser um gesto atencioso, e uma refeição pode ser adequada para uma conversa de negócios, fortalecendo o relacionamento entre as partes. No entanto, presentes e entretenimentos podem ser exagerados, violando a lei conforme disposto acima. Por isso deve-se ter cuidado em dar e aceitar Presentes e Entretenimentos, pautando-se, sempre, pela mais estrita legalidade.

Dever de abstenção

O que se impõe nesses casos, segundo Luciano Anderson de Souza é um dever de abstenção, ou seja, de recusa à cooperação, com potenciais infratores, principalmente quando é possível observar que existe uma antijuridicidade, do contrário, seria possível atribuir-lhes uma responsabilidade criminal.[6]

Conclusão

Quando se trata de presentes ofertados ou oferecidos para agentes do governo, maiores cuidados devem ser tomados, devido a aparência de uma possível improbidade. É necessário adotar precauções especiais ao receber ou dar presentes ou oferecer entretenimento a funcionários do governo. Importante pontuar que apenas é possível quando for legalmente permitido e forem estritamente razoáveis e, claro, não houver a intenção de influenciar indevidamente as decisões de negócios.


[1] Brasil.  Lei n° 8.112 de 11 de dezembro de1990.  Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112compilado.htm . Acesso em 04/08/2024

[2] Brasil. Resolução nº 3, de 23 de novembro de 2000. Regras sobre o tratamento de presentes e brindes aplicáveis às autoridades públicas abrangidas pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/codigos/codi_conduta/resolucao3.htm . Acesso em 23/04/2024

[3] Brasil. Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013. Dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego; e revoga dispositivos da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, e das Medidas Provisórias nºs 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, e 2.225-45, de 4 de setembro de 2001. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12813.htm. Acesso em 23/04/2024

[4] Brasil. Decreto nº 10.889, de 9 de dezembro de 2021. Regulamenta o inciso VI do caput do art. 5º e o art. 11 da Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013, dispõe sobre a divulgação da agenda de compromissos públicos e a participação de agentes públicos, no âmbito do Poder Executivo federal, em audiências e sobre a concessão de hospitalidades por agente privado, e institui o Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo federal – e- Agendas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Decreto/D10889.htm Acesso em: 23/04/2024

[5]Brasil. Decreto-Lei N º 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 23/04/2024

[6] Souza. Luciano Anderson de. Revista de Direito Penal Econômico e Compliance. RDPEC. 8. In: Sánches. Jesús-María Silva. Expansão do Direito Penal e Lavagem de Capitais. Ano 2, n. 8 de outubro a dezembro 2021. São Paulo. Thomas Reuters. Revista dos Tribunais. Pág. 18

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Ana Lucia Tavares Cerqueira
Atuação profissional na área de Compliance, Controles Internos e Regulatório. Mestranda em Compliance. Pós-graduação em direito material e processual do trabalho. Especialização em Gestão jurídica de Seguros e Resseguros, e advogada formada pela Universidade Cândido Mendes.