As tutelas cautelares e de urgência voltadas ao árbitro de emergência

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O Código de Processo Civil de 2015 dispõe que as tutelas provisórias poderão se fundar em urgência ou evidência, sendo que a tutela de urgência poderá ser cautelar ou antecipada com concessão de forma antecedente ou principal[1].

A tutela provisória de urgência será deferida quando houver a demonstração cabal da plausibilidade do direito invocado e o perigo de dano ou risco ao resultado útil. A tutela provisória cautelar será deferida quando forem evidenciados elementos que comprovem a probabilidade do direito apresentado (fumus boni iuris) e o perigo de dano (periculum in mora).

A medida requerida de forma antecedente é aquela realizada antes do procedimento principal que será instaurado para decisão final sobre a questão ventilada. Já a forma incidental é aquela que ocorre no bojo de procedimento já em curso ou no ato da instauração do procedimento.

O árbitro de emergência é uma figura dotada de tecnicidade, voltada para o conhecimento da matéria sob a necessidade de decisão provisória, de agilidade, por possuir mecanismos e disposições regimentais para o processamento célere da controvérsia, e de confidencialidade, devendo aplicar os preceitos da arbitragem principal para que as informações contidas na lide sejam mantidas sob sigilo e as partes sejam preservadas.

Muito embora esse cenário seja observado, a utilização do árbitro de emergência para solucionar as questões cautelares ou de urgência encontra muita resistência nos cenários nacional e internacional, pois, conforme indica Cahali (2016, pp. 113-121), o procedimento arbitral de emergência “não conta com a simpatia dos arbitralistas em geral, tampouco das partes[2]”.

No Brasil, as partes muitas vezes procuram o Poder Judiciário, em decorrência da previsão na lei de arbitragem, para solucionar as questões incidentais que versem sobre as tutelas cautelares e de urgência, posto que, em tese, há celeridade e economia com relação ao recolhimento da custa.

Leia aqui sobre a adesão ao árbitro de emergência opt in e opt out.

Todavia, essa análise deverá ser ampliada para que, num primeiro passo, seja verificada a ausência da confidencialidade, salvo eventual disposição expressa que vincule a aplicação pelo Estado-juiz; no segundo momento deverá ser observada a ausência de tecnicidade no enfrentamento da questão, por se tratar de magistrado que, em tese, possui conhecimentos gerais sobre tema; e em um terceiro momento seja sopesada a agilidade – tutelas de urgência e cautelares são analisadas em horas ou poucos dias pelo Poder Judiciário – por ilusória em razão da latente possibilidade de indeferimento do pedido formulado pelo fato da matéria controvertida ser complexa e subsistir o risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão[3], além da necessária manifestação técnica de perito, a depender da lide.

No cenário internacional, há resistência na aplicação do árbitro de emergência em razão de suas decisões não possuírem natureza de sentença arbitral, afastando a possibilidade de execução com sustentáculo na Convenção de Nova Iorque[4] (New York Arbitration Convention) que, segundo Gouveia (2014, pp. 218-219), ocasiona a ausência de poder da autoridade, também denominado de jus imperi dos tribunais arbitrais ou somente imperium[5].

Destaca-se que a decisão do árbitro de emergência, ainda que despicienda de natureza de sentença arbitral, somente precisará ser executada na ausência de voluntariedade da parte sucumbente, tornando possível buscar a instituição do Tribunal Arbitral, com o máximo de brevidade, para que adote eventuais providências cautelares, como arresto ou arrolamento de bens, de forma a afastar eventual acionamento do Poder Judiciário, cumprindo com os preceitos do artigo 17-J da Lei Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional.

Noutro sentido, a Escola de Arbitragem Internacional da Queen Mary University de Londres realizou a pesquisa entitulada ‘Melhorias e Inovações em Arbitragem Internacional em 2015’[6], para materializar em números o cenário do árbitro de emergência no âmbito internacional.

“Poucos entrevistados têm experiência com árbitros de emergência e alguns expressaram preocupação sobre a aplicabilidade das decisões do árbitro de emergência. 46% dos entrevistados iriam, no momento, recorrer aos tribunais nacionais para obter medidas urgentes antes da constituição do tribunal, contra 29% que optariam por um árbitro de emergência. No entanto, 93% são a favor da inclusão de dispositivos de arbitragem de emergência nas regras institucionais.”

No cenário doméstico, a questão foi pacificada antes da existência da figura do árbitro de emergência, quando o Supremo Tribunal Federal, antes da migração da competência ao Superior Tribunal de Justiça por intermédio de emenda constitucional, analisou uma controvérsia que versava sobre as medidas cautelas no Tribunal Arbitral.

O Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do Agravo Regimento em 7.613-4, realizado em 03 de abril de 1997, decidiu que as decisões de medidas cautelares deveriam ser equiparadas as sentenças arbitrais para fins de homologação e cumprimento no território nacional. Hodiernamente, essa decisão torna possível a aplicação da Resolução n° 9 do Superior Tribunal de Justiça.

Corroborando com julgado acima, a Ministra Maria Isabel Gallotti do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.586.383 no dia 05 de dezembro de 2017, prelecionou que deferida a tutela cautelar ou de urgência pelo árbitro de emergência, será expedida carta arbitral para cumprimento da decisão.

Confira também sobre o contexto do árbitro de emergência- o ambiente externo.

Formação em Arbitragem

[1]     Código de Processo Civil. “Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.”

[2]     CAHALI, Francisco José. Árbitro de emergência e arbitragem multipartes – considerações gerais e resultado da pesquisa do grupo de pesquisa em arbitragem da PUC-SP – projeto II – 2.º semestre de 2015. In: Revista de Arbitragem e Mediação. Volume 51. Outubro a dezembro de 2016. pp. 113-121.

[3]     Código de Processo Civil: “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. […]  3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

[4]     MAGALHÃES, José Carlos de. A tutela Antecipada no processo arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, RT, v. 4, p. 11-20, Jan/Mar 2005.

[5]     GOUVEIA, Mariana França. – Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 3ª ed., Almedina: Coimbra, 2014. p.p. 218/219

[6]     Queen Mary University. Disponível em: http://www.arbitration.qmul.ac.uk/research/2015/. Acesso em: 6 de setembro de 2021 às 11h36min.

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Rafael Gomes
Advogado e Coordenador Jurídico. Graduado em Direito pela FMU, Pós-graduado em Processo Civil pelo Damásio Educacional, MBA Executiva: Gestão e Business Law pela FGV e Mestre em Ciências Jurídicas com ênfase em Resolução de Conflitos pela Ambra University. Professor Tutor na FGV e Professor da Graduação da Ambra University. Membro da IBDFAM, da AASP e de Comissões da OAB/SP.