A ética como um insumo de crescimento institucional e social no ambiente jurídico

A ética como um insumo de crescimento institucional e social no ambiente jurídico
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Muito é dito da importância da ética, da responsabilidade social e da governança corporativa nas interações institucionais e sociais, porém há pouco direcionamento ao ambiente jurídico. Assim, sob o prisma da estrutura sistemática, é o caso de analisar as diretrizes de alterações dos aspectos voltados ao relacionamento com os stakeholders[1] e a sociedade no que tange à ética, à responsabilidade social e à governança.

Richard Sennett, no livro “A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo”, ingressa na área dos valores, das relações interpessoais, dos afetos, e das mudanças que refletem em diferentes setores da vida social, que vão além da atividade corporativa.

Sennett, que é referência na Sociologia Moderna e nas relações atuais do mundo corporativo, evidencia, na individualidade e na particularidade dos indivíduos, que os efeitos desse novo método de atividade corporativa flexível nem sempre é aparente, mas sempre gera grandes consequências. Com a pandemia, houve uma transformação do mundo jurídico, em especial pela ampliação do trabalho remoto e, por via reflexa, no distanciamento físico das pessoas.

Neste sentido, Sennett (1999, p. 11-12) apresenta alguns questionamentos que devem ser feitos para que haja a alteração do paradigma na busca pela solidificação da consciência social em detrimento do capitalismo voraz. Vejamos:

Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente, que se concentra no momento imediato? Como se podem buscar metas a longo prazo numa economia dedicada ao curto prazo? Como se podem manter lealdades e compromissos mútuos em instituições que vivem se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas?

Em outro sentido, o filósofo Freeman estabeleceu que a teoria dos stakeholders possui extrato de validade em quatro ciências essenciais. Elas são a sociologia, a economia, a política e a ética, pois juntam agregam valor ao planejamento da organização e da responsabilidade social.

Nesta toada, a comunicação com o público-alvo assegura a interação permanente, construindo confiança e evitando dissabores. É necessário manter boa comunicação e se ater aos seguintes aspectos, adotando o seguinte critério:

  • a) planejamento: a comunicação deverá ser analisada de acordo com as necessidades de informação dos stakeholders;
  • b) distribuição: a informação deverá ser distribuída no momento oportuno; e
  • c) relatórios: é necessário desenvolver relatórios de desempenho com relação a obtenção, progresso e distribuição de informações.

Doutro lado, utilizando as lições de Émile Durkheim, a sociedade é aquilo que controla as ações individuais, fazendo com que o indivíduo siga normas exteriores, pois o descumprimento de medidas poderá acarretar punições sociais. Há o aparecimento, além da análise do fato social, das solidariedades orgânicas e mecânicas, sendo a primeira uma composição que preconiza que o meio social precisa de todos para o regular funcionamento sem debilidade e a segunda uma composição que declara que os indivíduos são substituíveis.

Assim, é necessário que os integrantes do mundo jurídico encarem os envolvidos em suas atividades como seres dentro uma sociedade orgânica, valorizando a condição de cada de forma a mostrar a representatividade e a importância da manutenção do vínculo com a organização.

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Com tais conhecimentos, passemos a análise de Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Podemos defini-la como a forma de guiar a atividade da organização, caracterizada pelo impacto em todos os reflexos gerados em seus stakeholders e a sociedade em geral.

No ambiente jurídico, a Responsabilidade Social Corporativa permeia o dever de cumprir as legislações – nacional e internacional – nas esferas social, do trabalho, do ambiente e dos Direito Humanos, tal como de outras medidas que a organização empreenda com o foco de assegurar qualidade de vida de seus colaboradores, das comunidades e da sociedade com um todo.

Quer dizer que a responsabilidade social corporativa está adiante do cumprimento de medidas impositivas, visto que contribui para melhoria substancial da imagem da organização, para melhoria da imagem do serviço, gerando aumento no engajamento dos colaboradores e na capacidade de retenção/recrutamento de talentos.

Perceba que zelar pela boa imagem e pela boa reputação da empresa ultrapassa os limites da solidez econômica, adentra na seara da imaterial, apresentando a ética como fator determinante para solidificação social e de valor, atraindo olhares positivos para criação e/ou manutenção da relação já existente. As entidades inseridas no mundo jurídico deverão seguir tais noções para que tenha posição de destaque em seus ramos de atuação.

A identidade da empresa, assim como a sua imagem, não poderá ser desassociada da ética, motivo pelo qual daremos a devida atenção ao tema a seguir.

A esse respeito, cabe reavivar que o termo ética vem do grego ethos, que significa aquilo que vem do costume, hábito dos homens. Tem como sua definição o trato com a compreensão das noções e dos princípios que lastreiam as bases da vida de cada indivíduo e da moralidade social. Ou seja, ética é uma reflexão que recai sobre o valor das ações no seio social com reflexo no plano individual e coletivo.

Considerando tais auspícios, o ambiente jurídico deverá realizar reflexões e implementar as medidas, sem afastar os valores individuais dos colaboradores, que destacam que a ética gera valor, e valor gera respeito e admiração. Neste sentido, são sugeridos cinco fatores que geram valor, sendo eles:

  • a) equipe engajada: a instituição deverá ter além de uma equipe que conhece sobre sua atividade-fim, pois é fundamental que estes compartilhem proatividade, leiam revistas e jornais, conhecem a cultura do local que estão inseridos e estejam engajados em causas sociais, gerando valor com solidez;
  • b) estímulo de recomendações: muito além de cobrar o cumprimento do código de ética, o líder no ambiente jurídico deverá estimular, com orientações adequadas e com o exemplo, condutas que coadunem com os novos preceitos da organização de modo a aproximar o colaborador e mostrar os benefícios;
  • c) boa-fé: todas as atividades deverão ser desempenhadas com lealdade, com boa-fé, colocando os interesses de seus stakeholders, desde que não sejam escusos, acima dos próprios interesses da organização;
  • d) diafaneidade: a transparência deverá transitar nos corredores da instituição, possibilitando que qualquer conflito de interesse seja dirimido com rapidez e qualidade, não existindo motivos para desconfiança; e
  • e) autonomia: os colaboradores devem gozar de prestígio e independência – diferente de ausência de supervisão-, pois trabalharão com desenvoltura, o que ensejará o cumprimento das medidas propostas.

Esses valores terão extratos de validade e implementação através de uma governança corporativa, que terá como foco atender determinados parâmetros que garantam gerir os métodos, projetos, empreitadas, propostos de forma salutar, viabilizando respeito e justeza das pessoas envolvidas, e o gerenciamento consciente e íntegro de recursos humanos, financeiros, ambientais, dentre outros.

Verifica-se que, assim, a governança corporativa poderá assegurar a implementação da ética e dos valores institucionais, além da Responsabilidade Social Corporativa (RSC), da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) e Responsabilidade Social Ambiental (RSA).

Somando todos os vetores ora apresentados, além de outros que buscam atender às boas práticas, certamente o ambiente jurídico será mais integrativo e gerará ótimos frutos às partes interessadas e à sociedade.

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[1]A expressão stakeholder foi criada por Robert Edward Freeman, representando pessoa ou grupo que possui participação – direta ou indireta – através de investimento ou ações e que têm interesse em determinada organização/serviço/produto.

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Rafael Gomes
Advogado e Coordenador Jurídico. Graduado em Direito pela FMU, Pós-graduado em Processo Civil pelo Damásio Educacional, MBA Executiva: Gestão e Business Law pela FGV e Mestre em Ciências Jurídicas com ênfase em Resolução de Conflitos pela Ambra University. Professor Tutor na FGV e Professor da Graduação da Ambra University. Membro da IBDFAM, da AASP e de Comissões da OAB/SP.