Inteligência cultural no mediador de conflitos familiares e sua importância em conflitos entre diferentes países e conflitos no mesmo país

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Introdução

Desenvolver artigo profissional tem o seu ponto inicial, mais relevante, marcado na inspiração e estímulo que o tema desperta ao autor, sentimentos esses que, instantaneamente, se manifestaram desafiantes e apaixonantes ao tema. De plano, vale, em apertada síntese, discorrer sobre os amplos conceitos e definições envolvidos no tema, tais como; a) inteligência[1] – a comunidade cientifica de Harvard expressa que há múltiplas componentes além da psicometria (testes de QI), e que essa componente não é suficiente para descrever a grande variedade de habilidades cognitivas intrínsecas e interdependentes, b) cultura[2] – evolução e complexidade se originam desde o mero sentido filosófico dos princípios, verifica-se em literaturas referencias de que na cidade de Mileto, século VI a.c, filósofos Tales, Anaximandro e Anaxímenes, divergiam em entendimentos. Tales tratava princípio sendo a “água”, Anaximandro tratava como sendo o “indeterminado” e Anaxímenes como sendo “ar” e c) diferentes países – esse cenário, no âmbito contemporâneo da “Sociedade Globalizada”, nos remete ao um contexto de 7,7 bilhões de pessoas[3], de geopolítica com mais de 200 países, de mais de 10 religiões distintas, de gerações diversificadas em 5 faixas, a Baby Boomers (nascidos entre 1946-1964), a X (1965-1980), a Y (1981-1996), a Z (1965-1980) e a Alfa (a partir 2010)[4], com a tipologia das relações sociais, amorosas, econômicas e de produção com característica frágil, fugaz e maleável ricamente conceituada por Zygmunt Bauman na “Modernidade Liquida”[5], com a crescente pluralidade de gêneros ao tradicional heterossexualismo masculino-feminino e, por fim, circunstancialmente inseridos na crescente corrente tecnológica das redes sociais em substituição a modalidade presencial.

O complexo contexto discorrido supra, se insere ao ordenamento jurídico brasileiro, à medida que a mediação é utilizada como método alternativo para solucionar conflitos, em ambas as modalidades judicial ou extrajudicial, seguindo trajetória semelhante ao ocorrido nos EUA. Com o marco de junho 2015, quando promulgada a Lei de Mediação, regulando assim a mediação, comercial, publica, ou privada no Brasil.

Assentada a percepção panorâmica delineada acima, a seguir será abordado o enfoque à inteligência cultural do mediador, perante o conflito de família, envolvendo a interferência da cultura dos participantes.

Mediação familiar – breve contexto

Não existe relação humana sem conflito, ocasionado por distintas formas de pensar, de sentir e diferentes interesses entre indivíduos. O que determina o desenrolar do conflito é a capacidade de interação entre as pessoas através da comunicação. A dificuldade ou a falta de comunicação é hoje um dos principais obstáculos para a convivência saudável em sociedade. Assim também ocorre nas famílias, por isso o crescente número de crises, de divórcios e de separações conjugais, que consequentemente aumentam os já elevados índices de mediações familiares.

Segundo Lisa Parkinson, a mediação familiar é usada basicamente para ajudar casais em vias de separação a chegarem a um acordo mutualmente aceitável. A importância dada ao contexto familiar consiste por incluir crianças, cujos interesses também precisam ser observados. Aliás, todos os membros da família devem ser considerados, pais, filhos, avôs, avós, e mesmo padrastos e madrastas. A mediação ajuda os familiares tanto nos momentos de crise, quanto nos momentos de transição, objetivando principalmente, o restabelecimento da comunicação para melhores entendimentos[6].

A mediação familiar caracteriza-se como um espaço que potencializa a consciência de si e do outro, uma experiência que oferece a oportunidade de mediadores e mediandos reconhecerem a pertença à humanidade. Desta forma a mediação familiar vem se consolidando como espaço de concretização do acesso ao Direito das Famílias, além disso, privilegia o respeito aos princípios democráticos, aos direitos humanos e acompanha as transformações e as mudanças da sociedade e da própria família brasileira[7]. A mediação ultrapassa as formas tradicionais e abre uma nova concepção de direito mais compatível com o mundo globalizado, onde todas as ciências estão interligadas, com necessidade de mútua colaboração e uma abordagem interdisciplinar. O procedimento ocasiona grande impacto na melhoria da condição de vida das pessoas e, de forma reflexa, proporciona positivas consequências para a unidade familiar. A comunicação é o fator que transforma o conflito e é o elemento fundamental deste método não adversarial. Logo, não haverá neste cenário ganhador ou perdedor.[8]

Por sua natureza subjetiva e pessoal, os conflitos familiares no Poder Judiciário não conseguem atender aos ditames da paz social, ou o melhor interesse dos envolvidos. Nesse viés, a mediação familiar surge como importante auxílio aos conflitos, não só para resolvê-los, mas para transformá-los, oportunizando que as pessoas sejam protagonistas de seus interesses. A prática da mediação familiar, abre espaço para o interpessoal e intrapessoal de forma satisfatória e equânime. “Também promove o acesso à justiça e à cidadania, permitindo a busca da democracia, bem como valores colaborativos e solidários”[9]. Em suma, a mediação familiar objetiva assegurar a dignidade da pessoa humana, proteger os interesses da criança e valorizar a família e seu bem-estar social.

A mediação como porta de acesso à justiça tanto quanto o processo legal, foi regulamentada no Brasil com a promulgação da Lei de Mediação[10], pelo Novo Código de Processo Civil, e pela Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça. No artigo 334, a lei inclui a obrigatoriedade de passar pela mediação antes do início do processo legal, sem violar os princípios da mediação: independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada. A legalização da mediação de forma obrigatória possibilita a oportunidade de reformular as peculiaridades dos conflitos em família pelo protagonismo dos próprios envolvidos a fim de restaurar e manter os vínculos familiares. Outros países têm a mediação familiar reconhecida como primeira opção para resolução de litígios entre parentes. Portugal criou o primeiro serviço de mediação familiar de forma restrita em 1990, tornando-se amplamente disponível para a população no ano 2000[11]. Outrossim, demais países adotam a mediação como a solução mais adequada e indicada pelos próprios magistrados para tratar conflitos familiares.

A mediação familiar busca a cultura da paz entre os familiares, e privilegia a solução dos conflitos através   das   iniciativas   individuais, com   ênfase   nos   valores, incentivando   posturas emancipatórias e cidadãs, com prioridade para o diálogo, a negociação e mecanismo de respostas válidas e eficientes nas transformações individuais e sociais. É uma nova   cultura   que promove a defesa   das   relações   humanas de forma democrática. Nesse ínterim, a experiência da mediação familiar vem se consolidando como instrumento que potencializa a disseminação da cultura da paz nos relacionamentos entre parentes.

Mediador de conflitos familiares – especificidades

Aspecto essencial ao mediador é sua atuação no reestabelecimento da comunicação e o respectivo desenvolvimento da cadeia das relações para chegar-se ao êxito. No decorrer dos procedimentos de mediação, cabe ao mediador as atividades: promover o respeito; estabelecer virtuoso diálogo com os participantes (Rapport)[12]; disponibilizar escuta ativa; investigar os reais interesses e expectativas dos mediandos; identificar a natureza do conflito; estimular a criatividade dos mediandos para gerar opções; auxiliar a análise de soluções que possam satisfazer expectativas e necessidades dos envolvidos e atuar na construção do entendimento (acordo), assegurando a viabilidade.

Complementa as funções básicas de atuação, o perfil pessoal do mediador familiar que requer desenvolvimento pessoal específico na atuação as questões parentais. No âmbito da formação profissional especializada, o mediador familiar deve incorporar características como: capacidade de acolhimento, habilidade em criar clima de segurança, escuta dinâmica e empática, imparcialidade, neutralidade, respeito à confidencialidade, integridade moral e conduta ética, pensamento proativo que valide o princípio da complexidade, da incerteza, da diversidade e respeito ao outro, que possibilitará construir um novo contexto para o diálogo visando atender as necessidades de um determinado casal ou família, em vez de um modelo que atenda a todos igualmente[13].

Observa-se, sobretudo, a maturidade decorrente da experiência prática e ganho de proficiência profissional, facilmente visualizado no índice ascendente de êxito obtido na solução das contendas, com as mais diversificadas características perante o amplo espectro dos parentescos envolvidos. O mediador deve desenvolver a compreensão dos processos de mediação familiar, respeitando as diversas etapas da mediação[14], com criatividade[15] na exploração de novas ideias questionando modos de pensar e as opiniões das partes. Ao mediador cabe conduzir o questionamento e a escuta ativa para ajudar a emergir a compreensão das partes, acolher e reforçar a tomada de consciência, ajudar a criação de opções e celebrar o compromisso, reformular as questões negativas reforçando as positivas, e apoiar as partes em manter seu compromisso. Rodrigues salienta, “Tenho a convicção de que para mediar não basta possuir habilidades e técnicas específicas, é preciso dominar a difícil tarefa de se integrar emocionalmente com os outros. Auto se designar mediador ignorando este fato significa um mau começo”. Mediar é uma “arte” (e como tal, reclama o homem por inteiro) de conduzir um procedimento carregado de intensidades[16].”

O mediador possui, também, função pedagógica, sendo incumbido de transformar o sentimento destrutivo que se assenta na lide, a fim de que seja semeada a pacificação[17] entre as partes e, acima de tudo, a desconstrução e amenização do conflito, capacitando as pessoas para lidarem com seus sentimentos internos e relacionamentos interpessoais.

O grau de experiência do mediador familiar será relevante na avaliação e adequação do caso, ou seja, a identificação precisa do conflito e respectiva condição de ser ou não mediável. Nesse sentido, também a necessária comunicação às partes quando da impossibilidade da mediação. O Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos – ICFML recomenda a não realização da mediação quando a segurança de alguém esteja em risco (violência doméstica ou abuso infantil); se a disputa for sobre questões financeiras e a parte tiver conhecimento de que o parceiro está falido; quando inviabilizado contato com outra parte; e quando o mediador não se sentir confortável com a situação, sem o necessário ato de justificar as razões. Nesse contexto, cabe ao mediador familiar reportar às partes a não realização da mediação de forma clara e empática, harmonizando eventuais expectativas frustradas e, assim, neutralizando percepções negativas.

Mestrado em Resolução de Conflitos

Inteligência Cultural como diferencial do Mediador Familiar

Além das especificidades sobreditas, o mediador familiar precisa desenvolver suas habilidades emocionais na condução de relações interculturais e internacionais, como discorridos em conceitos, a seguir:

Segundo David Livermore, Inteligência Cultural[18] é a capacidade de um indivíduo funcionar eficazmente em situações culturalmente diversas[19]. Jesús Cárdenas define de forma complementar: “uma pessoa tem esse tipo de inteligência quando sabe como trabalhar suas emoções, respostas e ações com eficiência em ocasiões cujo contexto cultural pode causar um conflito. Isso significa cumprir todas as responsabilidades e objetivos de maneira respeitosa, independente do grupo, da cidade ou do país onde está ou da origem dos outros a sua volta”[20]. A inteligência cultural é uma ferramenta flexível para entender melhor as diferenças entre certos comportamentos enraizados nas pessoas. Tal diferencial é apreciado por melhorar o processo de comunicação, incentivar a cooperação, educar outras pessoas sobre diferentes culturas, facilitar a adaptabilidade, e oferecer maior probabilidade de sucesso durante a globalidade.

O Psicólogo Roberto Balaguer, professor da Universidade Católica do Uruguai e autor de diversos livros sobre educação e tecnologia relata que as gerações anteriores eram definidas a partir de acontecimentos históricos ou sociais importantes. Hoje, são delimitadas pelo uso de determinada tecnologia. Desde 1945, especialistas começaram a estudar o comportamento das pessoas, seus conflitos e características mais a fundo, dando nome as gerações a cada 20 anos. Hoje com as mudanças tecnológicas cada vez mais constantes, surge uma nova leva a cada 10 anos (Baby Boomes 1945-1964; Geração X 1965-1984; Geração Y 1985-1999; Geração Z (2000 -2010); Geração ALPHA 2011 – até agora). Tal fato implica diretamente nos relacionamentos familiares e em novas formatações de família com diversificadas culturas[21].

Para melhor entender e avaliar tais conceitos, se faz necessário verificar as definições de cultura e inteligência. O amplo espectro cultural é variável entre os múltiplos países, entre os povos e entre as pessoas. Por exemplo, a forma como na China interpreta o significado das cores é completamente diferente de Portugal. A diferença cultural é como um filtro seletor para a interpretação de ações, de gestos e de expressões verbais interpessoais perante as relações sob conflito. Tais diferenças serão inicialmente interpretadas através da nossa cultura de origem. Entre vários autores, Peterson define cultura como “conjunto relativamente estável de valores internos e crenças normalmente detidos por grupos de pessoas em países ou regiões e o impacto notável que esses valores e crenças têm nos seus comportamentos e no meio envolvente”[22]. A inteligência, segundo Frank L. Shmidt (2000), “é a capacidade de entender e raciocinar corretamente perante conceitos abstratos e resolver problemas de forma simplificada. É a capacidade de aprender. Quanto maior o nível de inteligência, mais rápida será a aprendizagem”. Logo, no viés das definições supracitadas, a inteligência cultural é a capacidade de atuar eficientemente em vários contextos culturais. Livermore afirma ainda:

A ênfase não está apenas em compreender culturas diferentes, mas está também na solução de problemas e na adaptação eficaz nos mais diversos ambientes culturais. A inteligência cultural não é particular a uma cultura, o importante não é dominar toda a informação e comportamentos de uma cultura em específico. O Quociente Cultural foca-se num reportório geral de conhecimentos, capacidades e comportamentos para fazer sentido em todas as culturas com que nos deparamos diariamente (Livermore, 2010, p. 20).

Os autores Earley e Mosakowski (2004) definiram as dimensões da inteligência cultural, salientando que para adaptar-se à outras culturas é necessário dominar três áreas interdependentes, a “cabeça”, o “coração” e o “corpo”. A “cabeça” refere-se ao conhecimento já existente e ao conhecimento que se pode obter (Inteligência cognitiva), ou seja, a memorização de costumes, crenças e tabus de outras culturas. O objetivo é descobrir estratégias que poderão ajudar em interações interculturais e desenvolver a intuição cultural para entender o que acontece durante essas interações e o porquê de serem assim. O “coração” refere-se à autoconfiança e motivação de um indivíduo em contextos de adaptação cultural (Inteligência emocional/Inteligência motivacional). Para alguém que não tem um bom nível de autoconfiança e motivação será muito difícil ter sucesso nestas situações, acabando por desistir a meio do processo. Enquanto, se um indivíduo conseguir superar os obstáculos, que a adaptação a culturas estrangeiras traz, as probabilidades de sucesso passam a ser mais altas. E o “corpo”, responsável pela componente da ação da inteligência cultural (inteligência física). O conhecimento e motivação são cruciais para o desenvolvimento do Quociente Cultural, mas não são os únicos pontos necessários, a parte física também é crítica. Não é possível transmitir a imagem de que se entende uma cultura apenas pelos conhecimentos que se possui, as ações devem corresponder a esse nível de conhecimento e mostrar que realmente houve um esforço para se adaptar à cultura em causa. O “corpo” é o elemento que transmite intenções ou desejos em ações ou comportamentos[23].

O desenvolvimento da Inteligência Cultural, em suas múltiplas dimensões, proporciona ao mediador identificar e prevenir confrontos que possam anteceder o conflito familiar em questão. Mediações desenvolvidas entre pessoas de culturas diferentes, sejam de países, cidades, bairros, ou mesmo grupos distintos, necessitam do profissional capacitado a fim de harmonizar a comunicação e manter o equilíbrio entre valores culturais para que o conflito seja tratado/negociado. Cabe lembrar que não existem pessoas iguais, devido a traços intrínsecos de personalidade, ainda que pertençam ao mesmo núcleo familiar, outrossim não existem culturas iguais. Cada país e cada região têm características culturais diversificadas e de características que tendem a influenciar a forma de pensar e a maneira de visualizar o mundo distintamente em seu meio. Não são raras as ocorrências em famílias onde nem todos residem no mesmo local[24].

Atuação do mediador em conflitos familiares entre diferentes países e no mesmo país

Há crescente trânsito de pessoas entre distintos países, o que torna comum ocorrerem uniões familiares transnacionais. Ao término da união conjugal, formam-se contendas que requerem tratamento com muito cuidado. Com o objetivo de efetivar justiça, e para que seja respeitado o melhor interesse dos participantes, deve se levar em consideração as especificidades nas nacionalidades em conflito. A União Europeia tem promovido a mediação familiar, também conhecida por mediação familiar transfronteiriça, um processo legal de resolução de conflitos familiares em que as partes são afetadas por um ou mais elementos extranacionais, tais como línguas, culturas, nacionalidades, diferentes países de residência, ou ordenamentos jurídicos[25]. O conjunto de procedimentos de mediação familiar entre fronteiras pode ocorrer em diferentes momentos do conflito familiar e pode prosseguir em paralelo a um ou mais processos judiciais.

Durante os atos da mediação, com os participantes de países distintos, o mediador familiar deve estar atento às peculiaridades da cultura de cada país, mantendo o respeito aos hábitos individuais, assistindo as partes com ensejo de comunicar e alcançar entendimentos/acordos responsáveis, equilibrados, mutuamente aceitável, em face aos assuntos familiares em litígio. Tais casos específicos, incorporam desafios que distinguem da mediação familiar em contexto nacional. As pessoas que recorrem a solução de conflito familiar, na maioria das vezes, têm diferentes origens culturais, religiosas, linguísticas. Os mediadores que gerem o processo de mediação deverão partilhar a mesma origem, cultura e/ou conhecimento cultural e língua dos mediados. A organização deste tipo de processo de mediação impõe dificuldades temporais, geográficas, dentre outras[26].

Na situação acima referida, é vantajoso que o mediador fale a língua das partes envolvidas. Independentemente da língua usada na mediação, é importante que todos compreendam claramente a terminologia jurídica utilizada na mediação. Para que haja comunicação entre as partes e a negociação funcione, faz-se necessário considerar que as “características de personalidade e socioculturais dos participantes definem a sua atitude, a natureza dos relacionamentos, o tipo de acordo e o compromisso com as decisões formadas[27].

Cabe também ao mediador estar atualizado quanto às possibilidades em tratativas no procedimento de mediação, como por exemplo, a relação entre a mediação e os processos relativos a menores que referem os instrumentos internacionais que promovem a procura de soluções amigáveis como: – Regulamento Bruxelas II-A: artigo 46 – (mecanismo que garante a executoriedade dos acordos resultantes da mediação) – Convenção da Haia de 1980[28]: Art. 7, alínea c – medidas adequadas da autoridade central para garantir o regresso voluntário do menor ou fomentar uma resolução amigável, Art. 10 – medidas adequadas para obter o regresso voluntário do menor e Art. 16 – não há decisão sobre o mérito dos direitos de guarda no Estado requerido. – Convenção da Haia de 1996: Art. 31 – medidas adequadas da autoridade central para facilitar uma solução amigável através da mediação, Art. 23 e Art. 26 – reconhecimento e execução, Art. 16 – lei aplicável = lei do Estado da residência habitual do menor, Art. 7 – o Estado da residência habitual do menor imediatamente antes do rapto mantém a competência para decretar medidas de proteção do menor, e Art. 24 – reconhecimento avançado. – Convenção da Haia de 2007: Artigos 19 a 31 – a decisão também inclui uma transação ou um acordo[29]. Isso mostra que existem normativas que precisam ser observadas pelos mediadores ao estimular os participantes nas gerações de opções para a negociação, seja a legislação local ou normativa de aspecto amplo e globalizado.

A atuação do mediador familiar em mediações entre conflitos do mesmo país, não foge às atenções e responsabilidades citadas supra, porém, se detém as normativas, linguagem e costumes específicos daquela localidade. Cabe apontar que um país como o Brasil, por exemplo, com extensa dimensão territorial, abrange culturas distintas de norte a sul, que podem ser possíveis desencadeadoras de conflitos. Há refugiados, pessoas que vivem nos campos ou em grandes metrópoles, situações envolvendo indígenas, quilombolas, ribeirinhos, entre outros grupos minoritários. A cultura particular de cada um influencia no seu modo de pensar e agir, mesmo que dentro de um mesmo país, região, cidade, ou mesmo grupo, e para que haja um relacionamento prévio que possibilite o entendimento, é preciso que as partes compreendam a maneira como a contraparte vê a negociação e os conflitos a serem solucionados. Cabe ao mediador além de identificar o conflito familiar, evitar os demais conflitos oriundos do choque cultural, como conflitos interpessoais, religiosos ou políticos e diplomáticos, possibilitando o relacionamento entre as partes – a partir de um entendimento mútuo de suas afinidades pessoais, visões de mundo e objetivos com a negociação, antes de efetivamente iniciar as tratativas de um acordo.

Segundo os autores Roy J. Lewicki, David M. Saunders e Bruce Barry, os fundamentos da negociação, afirmam categoricamente que “As pessoas de culturas diferentes negociam de formas distintas.”[30]. Isso porque, além de possuírem sua individualidade pessoal e de comportamento, interpretam os processos fundamentais das negociações, objeto e finalidade, de maneira diferenciada a depender da sua cultura. Estas diferenças culturais, segundo John Barkai, tendem a causar conflitos entre as partes, a menos que o mediador as compreenda e saiba lidar com elas. Para Barkai, entender as diferenças culturais é fundamental na mediação, sendo uma das principais tarefas do mediador de conflitos reconhecê-las para superar eventuais problemas que delas advenham[31].

Outrossim, faz-se importante a consideração de Shah-Kazemi ao destacar o papel do mediador enquanto catalisador da troca de informações entre os mediados, de modo que elas notem como o outro percebe a disputa, e passem a explorar possíveis interesses comuns e a agir de forma cooperativa. Porém, ressalta que a facilidade do mediador em guiar as partes à cooperação depende diretamente de sua confiança e habilidade, que estão necessariamente atreladas ao seu conhecimento sobre o conflito, as partes e sua cultura[32]. A autora assenta ainda a importância em estabelecer alguns princípios universais que guiem a resolução do conflito, visto que os seres humanos possuem um mínimo em comum para tanto. Da mesma forma, pontua a necessidade de o mediador explorar diversos métodos de mediação, e alerta que aqueles das minorias étnicas não podem ser completamente dominados por sistemas externos. Nesse caso, entende que o mediador, em questões familiares, envolvendo estas minorias, não deva apenas atuar como observador da disputa, mas como a terceira parte que comungue da mesma cultura das partes envolvidas e compreenda sua maneira de solucionar conflitos.

Considerações finais

A sociedade depara-se, constantemente, com situações complexas, como o rompimento do vínculo jurídico e emocional entre indivíduos. Seria contrário ao bom senso negar o envolvimento do Direito na atual perspectiva, em que o Direito Público e o Privado não mais se contrapõem, mas se completam como Direito de Família constitucionalizado. Sem dúvida, o Direito deve estar embasado em princípios capazes de sustentar os valores deste novo século que emerge, os quais são direcionados, principalmente, à realização do ser humano e da sua afetividade. Assim, a vontade de alcançar a justiça e a igualdade acompanharão o desejo das partes em encontrar caminhos mais precisos para a condução dos conflitos existentes entre indivíduos que convivem no mesmo núcleo familiar.

Diante da globalização e o notável crescimento do relacionamento entre as distintas culturas, intensificado com a prática das redes sociais frente a recente pandemia, torna-se imperativa a estruturação e o planejamento da atuação do profissional mediador, frente ao volume de conflitos familiares em demandas interculturais, dotado com o perfil e enfoque na diversidade multicultural.

Nos conflitos envolvendo adversidades culturais é fundamental que as partes apresentarem propostas, que estejam abertas a compreensão recíproca do posicionamento da outra parte. A cultura naturalmente influência a maneira de pensar e se de comunicar, contribuindo também na demanda de desentendimentos, aspectos que tornam de imprescindível importância a inteligência cultural do mediador. Em ambos os cenários internacional e nacional, o facilitador deve considerar as inerentes interferências culturais dos participantes, e, em decorrência, auxiliá-los na convergência de acordos equilibrados e satisfatórios as respectivas partes.

A inteligência cultural do mediador de conflitos e a sensibilidade frente às diferenças culturais nas questões familiares permitem às partes envolvidas, de maneira amigável e confidencial, manterem uma relação justa, eficaz, desde o início das negociações até o possível entendimento, sem permitir que costumes habituais regionais interfiram na espiral do conflito.

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[1] https://novaescola.org.br/conteudo/1462/howard-gardner-o-cientista-das-inteligencias-multiplas

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/População_mundial

[4] https://newroutes.com.br/blog/geracoes-baby-boomers-x-y-z-e-alpha/

[5] https://pt.wikipedia.org/wiki/Zygmunt_Bauman

[6] PARKSON, Lisa, 2016, p. 39.

[7] LANGOSKI, at all, 2012, p. 132.

[8] LANÇANOVA, Jônatas Luís. O poder judiciário em crise e a mediação como meio alternativo de solução dos conflitos. Revista Direito em Debate, v. 23, n. 42, p. 150-175, 2014. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/view/2901.

[9] LANGOSKI, Deisemara. 2011 p. 8.

[10] Lei da Mediação no Brasil –  Nº 13.140, de 26 de junho de 2015.

[11] PARKINSON, Lisa. 2016 p. 379.

[12] Rapport é um conceito do ramo da psicologia que significa uma técnica usada para criar uma ligação de sintonia e empatia com outra pessoa. Esta palavra tem origem no termo em francês rapporter que significa “trazer de volta”. O rapport ocorre quando existe uma sensação de sincronização entre duas ou mais pessoas, porque elas se relacionam de forma agradável.

[13] ALMEIDA, Tânia. Et al. 2019, p. 449.

[14] Saiba mais sobre as etapas da Mediação: Manual de Mediação Judicial do CNJ, 2016 – 6ª edição.

[15] Lisa Parkinson esclarece as diferentes facetas do papel do mediador como: catalizador, gerente, árbitro, facilitador, intérprete, transmissor de informações, ponte para novas estruturas familiares, testador da realidade, condutor, sintetizador e malabarista. (2016, p. 186)

[16] RODRIGUES, 1999, p.03.

[17] SIQUEIRA, PAIVA, 2016 p.185.

[18] A inteligência cultural foi concebida no início do século XXI, quando o mundo estava a vivenciar uma globalização e interligação nunca antes vistas. Avanços na comunicação e em tecnologias de transportes fizeram com que viajar e ficar em solo estrangeiro fosse mais económico e acessível. (Sternberg & Kaufman, 2011, p. 582)

[19] https://casaeducacao.com.br/inteligencia-cultural/

[20] https://rockcontent.com/br/blog/inteligencia-cultural/

[21] https://newroutes.com.br/blog/geracoes-baby-boomers-x-y-z-e-alpha/

[22] Peterson, 2004, p. 17.

[23] Earley & Mosakowski, 2004, p. 154-155.

[24] VIDEIRA, 2019, p.84.

[25] Mediação Familiar Transfronteiras, Portal Europeu da Justiça, 2017 – https://e-justice.europa.eu/372/PT/family_mediation

[26] ZAGANELLI et all, 2020, p.75.

[27] FERREIRA, 2012, p. 10.

[28] A convenção tem atualmente 118 Estados signatários e está em vigor em todos os países da União Europeia e em todos os membros da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (à exceção de dez países).

[29] https://e-justice.europa.eu/384/PT/how_it_works?clang=pt

[30] LEWICKI, at all. 2014, p. 251.

[31] BARKAI, 2008, P. 45.

[32] KAZEMI, 2000, p. 133.

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Luciana Severo
Mediadora Judicial. Mestranda em Resolução de Conflitos na Ambra University. Sócia da Acrópole Câmara Privada de Mediação e Conciliação.