Arbitragem Notarial: Exame do Projeto de Lei nº 4.188/2021 que incluiu a atuação como árbitro nas atividades desempenhadas pelo Tabelião

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O Projeto de Lei nº 4188/2021 que acrescentou o art. 7º-A na Lei nº 8.935/1994, e ampliou a competência do Tabelião de Notas, foi objeto desta análise, que teve por finalidade compreender o motivo da inclusão da arbitragem nos cartórios e a receptividade da novidade no meio jurídico.

Conforme se depreende do exame da tramitação do referido projeto de lei, disponível no sitio oficial da Câmara dos Deputados, o texto original apresentado à Câmara em 26 de novembro de 2021 não previa a alteração na Lei dos Notários e Registradores e assim permaneceu até 12 de julho de 2023, quando o Senado Federal aprovou, com revisão e com emendas, o referido PL.

A Emenda nº 37 foi uma das várias emendas propostas pelo Senado Federal, na qual previa a inclusão, na Lei dos Notários e Registradores, do art. 7º-A, composto, originalmente, por três incisos, sendo um deles a previsão do Tabelião atuar como árbitro e cinco parágrafos, versando um deles sobre o direcionamento da atuação do Tabelião na arbitragem.

Inicialmente a referida Emenda previa a seguinte redação:

“Art. 7º-A. Aos tabeliães de notas também compete, sem exclusividade, entre outras atividades:

(. . .) III – atuar como árbitro.

(. . .) § 5º O tabelião de notas, por si ou por um único escrevente nomeado para este fim, poderá optar por realizar arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, se habilitado pela entidade de classe nacional, que poderá constituir e disciplinar câmaras arbitrais estaduais ou nacional, ou autorizar a participação dele em outras.”

Vale ressaltar que, no Parecer nº 44, de 2023 do Senado Federal, onde constam as proposituras das Emendas, de relatoria do Senador Weverton com participação de alguns juristas, a justificativa da inclusão do art. 7º-A, que amplia as atividades exercida, sem exclusividade, pelo Tabelião, é a de que previram “que o tabelião de notas pode certificar a ocorrência de condições de negócios jurídicos e ser mediador e árbitro” (Senado Federal -Parecer nº 44, de 2023, p.13).

A referida Emenda foi acolhida em 02 de outubro de 2023, pela Comissão de Finanças e Tributação, porém, em seguida, vetada parcialmente pelo Presidente da República.

O parágrafo quinto do art. 7º-A foi vetado por contrariar interesse público “ ‘(…) pois condicionaria o exercício da atividade de mediação ou arbitragem pelo tabelião ou escrevente à habilitação por entidade de caráter privado, o que reduziria a liberdade de escolha das partes, tendo em vista que a legislação vigente estabelece que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.’” (Congresso Nacional – Estudo do Veto nº 33/2023, item 33.23.022).

Respeitosamente discordamos da citada justificativa do veto, pois o parágrafo 5º visava regulamentar a atuação do Tabelião-árbitro dentro do Cartório e não dos árbitros. Submetê-los à uma habilitação tratava-se, claramente, de uma regulamentação interna que certamente acontecerá quando da publicação das normas regulamentadoras da arbitragem notarial, assim como ocorreu nos casos de mediação e conciliação em 2018 com o Provimento CNJ Nº 67/2018 (atualmente previsto no Código Nacional de Normas – Prov. CNJ Nº 149/2023). 

A justificativa do veto de que, submeter o tabelião à habilitação limitaria a liberdade de escolha das partes, já que “a legislação vigente estabelece que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz” (Congresso Nacional – Estudo do Veto nº 33/2023, item 33.23.022), nos leva a conclusão de que também não seria necessária a inclusão do inciso III, no art. 7º-A, que permite ao Tabelião atuar como árbitro, pela mesma justificativa de que: a qualquer pessoa capaz é permitido ser árbitro.

Em 30 de outubro o PL foi transformado na Lei Ordinária nº 14.711/2023, constando a possibilidade de atuação como árbitro, pelo Tabelião de Notas, porém sem detalhar se haveria limites em sua atuação, ou até mesmo a forma de remuneração, uma vez que a remuneração do Tabelião ocorre através de emolumentos (art. 28 da Lei nº 8.935/1994), que são tabelados pelo Estado em que se localiza a Serventia e que não podem ser fixados com base em percentual sobre o valor do negócio jurídico (art. 3º, II, da Lei nº 10.169/2000), e a Lei de Arbitragem, por outro lado, prevê que a fixação dos honorários dos árbitros poderão ser estabelecidos pelas partes, no compromisso arbitral (inciso VI, e parágrafo único, do art. 11, da Lei de Arbitragem).

Insta salientar que, o PL 4188/2021 não foi a primeira tentativa de inserir a atuação de árbitro nos Cartórios Extrajudiciais, houve, ainda, a Emenda nº 5 para inserir na Medida Provisória nº 1.085 (atual Lei nº 14.382/2022) o exercício da arbitragem na Lei de Registros Públicos, porém, recebeu o veto presidencial, conformeMensagem nº 329, de 27 de junho de 2022, disponível no sitio do Planalto.

Da mesma forma, a Emenda nº 13 previa inserir na MP nº 1.085, o acréscimo do parágrafo 2º no art. 7º da Lei dos Notários e Registradores, para constar que “A mediação, a conciliação e a arbitragem realizada por tabeliães de notas será remunerada conforme as tabelas de emolumentos estaduais.”, sendo uma das razões do veto a explicação de que a atividade arbitral é privada, não cabendo ao Estado estabelecer os emolumentos “sob pena de violação ao princípio constitucional da livre iniciativa, nos termos do disposto no caput do art. 170 da Constituição.” (Mensagem nº 329, de 27 de junho de 2022, Veto presidencial).

Com o andamento do referido Projeto de Lei, e até mesmo com a posterior publicação da Lei das Garantias, algumas manifestações pessoais surgiram, como a o advogado e participante da comissão de arbitragem da OAB/RJ, Dr. Gabriel de Britto Silva, que se posicionou contra a atuação do tabelião como árbitro, quando este poderia atuar como pessoa física, “Porém, essa atuação como titular de delegação do poder público e via remuneração por emolumentos, é medida abominável.” (Silva, 2023).

Ainda contra a arbitragem notarial se posicionou a advogada e vice-presidente do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara do Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), Silvia Rodrigues Pachikoski, “A despeito de todas as benesses da arbitragem, seu emprego não pode ser disseminado a qualquer custo. A arbitragem não é solução para todos os problemas enfrentados pelo uso exacerbado do Poder Judiciário.”, continua a advogada:

“Espera-se que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao regulamentar a matéria, consiga enxergar quão nociva e prejudicial tal medida pode ser ao cidadão; ao próprio Poder Judiciário, (…); e, mais ainda, à própria arbitragem brasileira, que ficará segregada da ordem mundial, com jurisprudência que afastará o investidor estrangeiro da escolha do Brasil como local de boas práticas arbitrais.”.

Já o vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil,Hércules Alexandre da Costa Benício, disse à Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR, que: “a solução extrajudicial pode se mostrar bastante vantajosa quanto à velocidade e também ao custo, e de mais a mais o judiciário também clama por mecanismos adequados de solução de conflitos, e certamente mediação, conciliação e arbitragem estão dentre esses mecanismos adequados para solução de conflitos”.

Conclusão

Apesar de, incialmente, a atuação de árbitro não estar prevista no Projeto de Lei nº 4.188/2021, a previsão legal foi inserida e aprovada, agradando a uns e desagradando a outros, mas fato é que a regulamentação da atividade precisa acontecer, já que a Lei das Garantias, por fim, nada previu sobre a forma de atuação dos Tabeliães em sua nova função. O ideal seria que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) submetesse a minuta do ato normativo à consulta pública, para que tabeliães, advogados e árbitros, com vasto conhecimento sobre a matéria, pudessem dar sugestões sobre a regulamentação da arbitragem em cartório.

Leia também sobre Arbitragem Notarial: A função do Árbitro e do Tabelião de Notas

Referências

Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR – Tabeliães de notas e de protesto explicam as principais mudanças para a atividade com o Marco Legal das Garantias. 2023. Disponível em: <https://www.anoreg.org.br/site/tabeliaes-de-notas-e-de-protesto-explicam-as-principais-mudancas-para-a-atividade-com-o-marco-legal-das-garantias/>. Acesso em: 9 mar. 2024.

Brasil. Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023 (Lei das Garantias). Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14711.htm#art12>.

Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4.188/2021. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2309053>.

Congresso Nacional. Estudo do Veto nº 33/2023. Disponível em:

<https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9512077&ts=1709064457089&disposition=inline>.

PACHIKOSKI, Silvia Rodrigues.Uso equivocado da arbitragem: prejuízo para o Brasil. Disponível em: <https://valor.globo.com/legislacao/coluna/uso-equivocado-da-arbitragem-prejuizo-para-o-brasil.ghtml>. Acesso em 26 jul. 2024

Senado Federal. Emendas propostas ao PL 4.188/2021. Disponível em:

<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2300972&filename=Tramitacao-PL%204188/2021>. Acesso em 5 mar. 2024

Senado Federal. Parecer nº 44, de 2023. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9404193&ts=1708028331317&disposition=inline&ts=1708028331317#Emenda37>. Acesso em 5 mar. 2024.

SILVA, Gabriel de Britto. Atuação de tabeliães de notas como árbitros. 2023. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-ago-03/britto-silva-atuacao-tabeliaes-notas-arbitros/>. Acesso em 6 mar. 2024.

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Natalia Bolssoni
Advogada e Consultora Jurídica. Mestranda em Direito na Ambra University. Especialista em Direito Notarial e Registral. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva – CERS.